sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Entrevista com Patrícia Medici



Pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), Patrícia Medici dedica-se ao estudo das antas (Tapirus terrestris) há 15 anos. Graduada em Engenharia Florestal pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ) da Universidade de São Paulo, também possui Mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais e recentemente defendeu sua tese de Doutorado pelo Centro DICE (Durrell Institute of Conservation and Ecology) da Universidade de Kent na Inglaterra. Desde 2000, Patrícia é Presidente do TAPIR Specialist Group grupo afiliado à Comissão de Sobrevivência de Espécies (SSC Species Survival Commission) da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e composto por 150 profissionais que trabalham em prol da conservação das quatro espécies de antas. Sua pesquisa conta com o apoio financeiro de 24 instituições internacionais e de pessoas sensíveis à causa que realizam doações periódicas. Ao longo de sua carreira, Patrícia já conquistou vários prêmios internacionais, entre eles o Harry Messel Award for Conservation Leadership (2004), o Golden Ark (2008) e o Whitley Award (2008). Nesta entrevista, Patrícia conta como começou a trabalhar com antas e fala sobre as principais descobertas e desafios de seu trabalho.


O que levou uma Engenheira Florestal a trabalhar com conservação de antas?

Patrícia: Desde o início da faculdade em Engenharia Florestal eu sempre tive muito interesse em manejo e conservação de animais silvestres. Desta forma, sempre busquei disciplinas, cursos e estágios nessa área. Uma vez finalizada a faculdade, dei início ao vínculo formal com o IPÊ como coordenadora do Projeto Mico-Leão-Preto no Pontal do Paranapanema, São Paulo. Entretanto, eu já sabia que minha praia não era exatamente a primatologia. Sempre gostei dos grandes mamíferos e sempre achei a anta um animal muitíssimo interessante pelo fato de ser uma grande dispersora/predadora de sementes, ao ponto de ser chamada de "jardineira da floresta". O IPÊ, por outro lado, tinha também interesse em estabelecer novos projetos de pesquisa e conservação de espécies, um deles com a anta, e eu abracei então essa oportunidade e assumi o desafio!

Quais foram as principais perguntas que nortearam sua pesquisa com as antas e o que você conseguiu descobrir?

Patrícia: O início do nosso estudo com as antas na Mata Atlântica do Parque Estadual Morro do Diabo no Pontal do Paranapanema em São Paulo tinha objetivos bastante modestos. Era puramente um estudo de ecologia básica da espécie. Entretanto, conforme evoluímos com o trabalho de campo e com as coletas de dados fomos nos dando conta da enorme mobilidade desse animal através da paisagem fragmentada do Pontal. Observamos que as antas saíam do Morro do Diabo para visitar os fragmentos florestais menores do entorno com certa frequência. Com isso, detectamos a possibilidade de utilizar a espécie como “detetive da paisagem” nos guiando no processo de re-estabelecer a conectividade da Mata Atlântica do Pontal do Paranapanema através de corredores florestais e stepping-stones. Informações sobre as rotas de movimentação das antas foram fundamentais para o design de corredores no Pontal. Os 12 anos de pesquisa no Morro do Diabo (1996-2008) geraram uma infinidade de descobertas interessantes sobre esse animal na Mata Atlântica, tudo muito fresco saído do forno pois a espécie jamais havia sido estudada na natureza no longo-prazo e com tanto detalhe. Todos esses resultados foram compilados na minha tese de doutorado recentemente defendida 1.
 
Quais são os próximos desafios no seu trabalho? Que sonho você gostaria de ver realizado?

Patrícia: Uma vez que nos demos por satisfeitos com as coletas de dados na Mata Atlântica e começamos a analisar esses dados e comparar nossos resultados com outros estudos em outros locais, nos demos conta de que a anta é uma espécie bastante plástica que tem uma ecologia bastante diferente em diferentes biomas e diferentes tipos de habitat. Com isso, nos demos conta de que para sermos capazes de tecer estratégias de conservação para a espécie em diferentes tipos de habitat se faz necessário conhecer a ecologia da espécie no local. Por esta razão, decidimos expandir nosso trabalho com as antas para outros biomas brasileiros onde a espécie ocorre e assim nasceu a Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira. Como consequência, em 2008 demos início ao Programa Anta Pantanal nas regiões do Abobral e Nhecolândia. Os próximos desafios serão estabelecer os programas Cerrado e Amazônia no futuro próximo. O grande sonho da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira é ter projetos estabelecidos e sendo conduzidos nos quatro biomas chave para a conservação da anta no Brasil: Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e Amazônia. Estudando a anta em cada bioma de ocorrência nos permitirá obter informações específicas e desenvolver recomendações de conservação para a espécie relevantes a cada um deles.
 
Como é trabalhar com conservação no Brasil tendo como foco principal uma única espécie por um prazo tão longo? Você teria alguma recomendação para aqueles que desejam seguir uma linha de atuação parecida?

Patrícia: É bastante complicado estabelecer, conduzir e manter um projeto de pesquisa e conservação de uma única espécie, especialmente quando se trata de uma espécie não listada como ameaçada de extinção (a anta é listada pelo Red List da IUCN como Vulnerável) e largamente considerada como não carismática. As agências de conservação tanto no Brasil quanto à nível internacional estão cada vez mais se afastando da conservação de espécies e priorizando a conservação em escala maior focada em serviços ambientais, mudanças climáticas etc. Como consequência, a pesquisa e conservação de espécies ficaram bastante comprometidas e relegadas a poucas organizações que ainda investem energia e recursos em trabalhos com espécies, uma delas o IPÊ.

Quanto ao timeframe do projeto, é bastante difícil manter um projeto no longo-prazo, requerendo um enorme esforço em captação de recursos financeiros. Entretanto, são esses estudos de longo-prazo que na grande maioria das situações e para a grande maioria das espécies nos fornecem a base científica sólida necessária para o planejamento de ações conservacionistas. Pesquisa de boa qualidade requer tempo!

Para aqueles que desejam seguir uma linha de atuação parecida, eu recomendo que antes de mais nada busquem capacitação em captação de recursos financeiros, estabelecimento de parcerias e relações públicas! O conjunto dessas três ferramentas proverá a sustentabilidade necessária para um trabalho como esse.



[1]  O resumo da tese de Doutorado de Patrícia Medici pode ser lido aqui.

2 comentários:

  1. Muito bacana a entrevista! A Patrícia faz um trabalho belíssimo, minucioso e de responsa! Além de ser uma figura de destaque no IPÊ pela habilidade em manter e estender boas relações com doadores e financiadores! Temos muito o que aprender com ela! Muito legal também as perguntas e a forma de conduzi-las!

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  2. Parabéns pela entrevista. É um grande orgulho ter materiais com tamanha qualidade no O Xilema.

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