quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Pseudoescorpiões



Meu avô era apaixonado por ficção científica. Ao longo da vida, reuniu uma biblioteca considerável do gênero, incluindo desde livros de bolso de autores desconhecidos até clássicos de Arthur Clarke, Robert Heinlein e Isaac Asimov. Li muitos deles na adolescência e devo parte da minha formação a isso. Alguns livros continuam vivos na memória, enquanto outros se tornaram pálida lembrança, escondidos num canto obscuro da mente até que algum fato os traga à tona mais uma vez.

Foi assim que aconteceu quando me deparei com um inseto que nunca havia visto antes. Aquele par característico de pedipalpos (pinças) ligados a um cefalotórax com quatro pares de patas foi suficiente para desencadear um misto de espanto e cautela. Não fosse pelo diminuto tamanho e pela ausência do ferrão em riste, não restariam dúvidas que se tratava de um escorpião. Mas é justamente neste momento do encontro, quando estamos diante do desconhecido, do potencialmente nocivo ou do simplesmente estranho, que muitas vezes desencadeamos uma reação fatal. Aliás, em se tratando de insetos, nem precisamos de arquétipos da sobrevivência para esmagar, envenenar ou eletrocutar milhares deles diariamente. Nossa reação é praticamente automática. 


Assim reagiu Morgan em "O Formigão" (título original "The Big Ant", conto de Howard Fast publicado em 1960). Num gesto estúpido e impensado, Morgan desferiu um golpe mortal naquela criatura repugnante que havia aparecido. Entretanto, intrigado com o animal morto, decide levar o espécime ao curador da coleção de insetos de um museu, onde a trama se desenrola de forma inesperada. Mas quais poderiam ser as consequências de um gesto assustadoramente banal? Levando ao extremo, e se aquele indivíduo fosse o último representante de uma espécie? E se houvesse algo de muito especial nele? O autor consegue explorar a situação de forma criativa, de certa maneira dando ares de conservação a um conto de ficção científica. Ou talvez fosse melhor dizer exoconservação?

De volta ao nosso pseudoescorpião, e passado o desconforto da surpresa inicial, fiquei observando aquela criatura por alguns momentos. Por fim deixei-a ali, no mesmo lugar, sem fazer nada. Como vim a saber depois, pseudoescorpiões são inofensivos ao homem e possuem várias peculiaridades. São capazes de migrar longas distâncias através de forésia, ou seja, pegando carona em animais maiores como besouros e mariposas. Limpam-se com frequência, principalmente após se alimentar. Algumas espécies organizam-se socialmente, vivendo em colônias e caçando em conjunto. Nestes casos, são considerados os mais avançados socialmente entre todos os aracnídeos. Experimentos recentes descobriram que, sob condições extremas de falta de alimento, a mãe chega a se sacrificar, entregando o corpo à prole (matrifagia). Apesar de pouco conhecidos, pseudoescorpiões são animais daqui mesmo - bastante terrenos - mas não menos especiais. Bom seria que estivessem livres da nossa entomofobia.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Reflorestando a Ilha de Páscoa


Sempre achei um dos grandes diferenciais no Mestrado da ESCAS a possibilidade de iniciar o curso sem ter um tema pré-definido de projeto. Poder escolher um assunto novo, diferente, que tenha despertado interesse durante as atividades do curso, é de fato tentador. Mesmo não tendo trilhado este caminho, presenciei um caso emblemático na turma 2009 de Nazaré - ocasião em que um biólogo pantaneiro, após súbita metamorfose, resolveu escrever um livro sobre sustentabilidade. Por outro lado, é bom lembrar que toda essa liberdade de escolha costuma vir acompanhada de uma boa dose de ansiedade - às vezes maior até que a ansiedade da defesa. É o fantasma da indefinição do projeto de Mestrado, aterrorizando alunos indecisos na medida em que o tempo passa e ganhando força nas trombetas alarmantes sopradas do alto da biologia da conservação.

Na minha época, uma das maneiras da turma descontrair era imaginar projetos improváveis, divertidos, normalmente brincando com o histórico e as aspirações de cada um. Eram temas como "Técnicas de manejo insustentável do porco monteiro no Brasil", "Gestão holística de UCs: uma nova abordagem antropológica buscando a integração homem-natureza na Era de Aquário", "A utilização da ariranha como espécie-bandeira pela civilização Inca", ou então o ambicioso "Plano de reflorestamento da Ilha de Páscoa"1.

Neste último caso, por mais que gostássemos de desafios, é claro que ninguém em sã consciência iria se aventurar num tema com tamanha distância geográfica, cultural e financeira da nossa realidade. Além do mais, sabedores do triste histórico de destruição ambiental e extinções na Ilha de Páscoa, víamos uma barreira praticamente intransponível para se restaurar a vegetação original. Afinal, como saber ao certo quais espécies ocorriam no local? Como produzir mudas? Como restabelecer as interações ecológicas essenciais para a sobrevivência das espécies? Tarefas que normalmente já são complicadas em qualquer lugar, para a realidade da Ilha de Páscoa tornam-se quase impossíveis. Diríamos que tratava-se de um caso totalmente perdido.

Ilha de Páscoa, com destaque para a cratera de Rano Kau.
Coleção "A Terra vista do céu" por Yann Arthus-Bertrand.

Para se ter uma ideia, mesmo na época em que foi descoberta pelo ocidente em 1722, a Ilha já possuía um singular aspecto de pobreza e desolação. A paisagem recoberta por grama seca, capim e restos de vegetação queimada chegou a ser confundida com areia. Para grande surpresa, os descobridores logo constataram que a Ilha era povoada. Por outro lado, hoje sabemos que quando estes primeiros habitantes chegaram da Polinésia alguns séculos antes, o cenário era bem diferente. Registros paleontológicos atestam que a Ilha já abrigou várias espécies arbóreas, incluindo uma palmeira que chegava à idade adulta aos 100 anos, podendo atingir mais de 30 metros de altura. Além das árvores, havia pelo menos seis espécies de aves endêmicas, e muitas espécies de aves marinhas nidificavam na Ilha. Durante um bom tempo aquele foi um verdadeiro paraíso livre de ameaças.

Até que chegaram os polinésios, e com eles todo o rol de mazelas ambientais que estamos acostumados a ver em nossa sociedade: caça, superexploração de recursos naturais, espécies invasoras (neste caso, principalmente os ratos), etc. Para o delicado equilíbrio daquele ecossistema as consequências foram desastrosas, conforme Jared Diamond descreve em detalhes num dos capítulos de "Colapso".

Mas como bem dizia Michel Soulè, não existem casos perdidos, apenas casos dispendiosos e pessoas desanimadas. Por uma série de coincidências e para minha grande surpresa, soube que uma das espécies arbóreas sobreviveu à catástrofe ambiental da Ilha de Páscoa. O Toromiro (Sophora toromiro Skottsb.) é uma leguminosa pequena, de porte praticamente arbustivo e flores amarelas. Uma planta aparentemente comum, porém com uma história extraordinária e que por muito pouco não desapareceu do planeta.

Thor Heyerdahl em frente a um Moai numa
de suas expedições à Ilha de Páscoa.
Fonte: Museu Kon-Tiki.
Ao que tudo indica, no início do século passado restava apenas um indivíduo da espécie na Ilha de Páscoa, localizado na encosta da cratera de Rano Kau. O difícil acesso deixou a árvore a salvo dos rebanhos que circulavam por lá, mas não foi suficiente para impedir que ela fosse parar numa fogueira por volta de 1960. Porém, alguns anos antes disso, entre 1955 e 1956, Thor Heyerdahl esteve na Ilha, e a pedido de um botânico conseguiu coletar sementes daquele último indivíduo (sim, Thor Heyerdahl é aquele mesmo famoso explorador que fez várias expedições, entre elas a de Kon-Tiki, quando construiu uma jangada utilizando técnicas pré-incaicas, zarpou do Peru e conseguiu chegar até a Polinésia Francesa depois de 101 dias navegando). Posteriormente, as sementes coletadas por Thor foram parar no Jardim Botânico de Gotemburgo, onde até hoje persistem alguns indivíduos cultivados, mesmo que a espécie esteja extinta em seu hábitat natural. E eis que sim, é possível reintroduzir ao menos uma das espécies arbóreas nativas da Ilha de Páscoa!

Infelizmente a reintrodução do Toromiro não tem se mostrado fácil, pois das vinte tentativas registradas, ao que tudo indica até hoje nenhuma foi bem sucedida2. Mas os esforços continuam, e quem sabe em breve a espécie consiga voltar ao ambiente que, apesar de todas as transformações pelas quais já passou, não deixa de ser seu local de origem. Ou será que mesmo depois de tudo o que aconteceu a espécie logo irá desaparecer por completo?

Em meio a estes pensamentos, enquanto caminhava, lembrei mais uma vez daquela época no Mestrado em que brincávamos com a ideia de reflorestar a Ilha de Páscoa. Apesar do sol, fazia frio na primavera escandinava. Respirei o verde daquele local e segui em frente até encontrar alguém. "Por gentileza, onde posso encontrar a árvore de Toromiro?", perguntei a uma funcionária do Jardim Botânico de Gotemburgo que cuidava de alguns canteiros próximos da entrada. "Fica logo ali naquela estufa", apontou. Mais alguns passos e lá estava ela, estendendo seus galhos em busca de luz. Alheia aos acontecimentos do passado e às incertezas do futuro, decerto preparava-se para a próxima florada.

Toromiro. Foto: Claudio Alvarado Solari.

[1] Termo reflorestamento utilizado no sentido popular de restauração da vegetação, e não no sentido acadêmico/profissional de plantio de eucalipto ou qualquer outra árvore com fins de exploração.
  
[2] Maunder, M., Culham, A., Alden, B., Zizka, G., Orliac, C., Lobin, W., Bordeu, A., Ramirez, J.M., Glissmann-Gough, S. (2000). Conservation of the Toromiro Tree: Case Study in the Management of a Plant Extinct in the Wild. Conservation Biology, v.14(5), p.1341-1350. doi: 10.1046/j.1523-1739.2000.98520.x

sexta-feira, 2 de março de 2012

OPINIÃO 3

O desafio era explicar às minhas avós, em três frases, porque acreditar nas empresas como atores representativos da educação para a sustentabilidade. E havia ainda um outro questionamento, que buscava entender se a disponibilidade de recursos financeiros tem relação com a iniciativa de conservação do meio ambiente.

A tentativa de explicação aconteceu assim:

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O aquecimento global é uma farsa?

A cada alguns milhões de anos a Terra passa por certos desconfortos. Não se sabe muito bem porque, mas de tempos em tempos ocorrem mudanças bruscas aqui no terceiro planeta virando a esquerda do sistema solar. As hipóteses são mudanças no campo magnético, explosão de estrelas próximas e uma consequente chuva de radiação, proximidades com buracos negros e outras razões que nem anestesia de dentista pode nos fazer imaginar. Quando essas mudanças ocorrem, trocamos o chamado período glacial, e a Terra dá uma esquentada ou esfriada. Atualmente estamos passando por um período inter-glacial (estamos saindo da Era do Gelo) e a Terra está esquentando.

Então me perguntaram: …quer dizer que a Terra está esquentando por questões naturais e a história do aquecimento global pelo homem é mais falsa que a minha sogra dizendo que gosta de mim?

Não! Embora a Terra esteja naturalmente esquentando, os modelos indicam que a emissão de CO2pelo homem fez, até agora, aumentar a temperatura da Terra 0,6 ºC além do esperado. Ou seja, estamos acelerando o processo.



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Programa Cidades Sustentáveis




Na sexta-feira, dia 19, o Teatro Anchieta, no SESC Consolação, sediou o lançamento do Programa Cidades Sustentáveis, uma iniciativa apartidária conjunta entre a “Rede Latino-americana por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis” (RedCiudades) e a “Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis”. O Programa oferece uma agenda de promoção da sustentabilidade em diferentes áreas de gestão pública através de indicadores distribuídos em 12 eixos temáticos de aspectos sociais, culturais, políticos ambientais e econômicos, visando sua integração na gama de compromisso dos candidatos a prefeitos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O meu muito obrigado pelo livro!!!

Obrigado - RafaelPrimeiramente, gostaria de agradecer às aranhas. Sem elas, meu primo, Daniel Moraes de Freitas, não teria passado na frente de uma dúzia de estudantes e conseguido uma vaga como estagiário na Embrapa junto ao pesquisador Walfrido Moraes Tomás, tendo a oportunidade de ir para o Pantanal e me convencido de que fazer biologia perto do Pantanal era a melhor escolha.

Agradeço a formalidade, ou a falta dela, que me fez mandar um e-mail sem muitos adereços para o pesquisador Walfrido Tomás, o qual, pela inusitada surpresa do e-mail, me chamou para fazer um dos estágios mais fascinantes do mundo no meio do Pantanal e se tornou um grande amigo.

Agradeço à conjugação verbal, a qual, em razão de sua complicação, me fez cometer erros capitais no projeto para o mestrado no Rio de Janeiro, não sendo nem aceito para a avaliação – o que me levou a procurar, desesperadamente, um lugar para fazer mestrado e encontrar o melhor lugar do mundo: a Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade – ESCAS.

Agradeço ao professor Dr. Fábio Scarano, por ter indicado a ESCAS para a Ana Moraes Coelho, assim como as divertidas aulas do ITA, que também, de um modo ou de outro, levaram o Renato Giovanni para a ESCAS. Também agradeço à Amazônia, por ter trazido a Natividad Quilahuaman.

Agradeço à turbina do helicóptero, por ter quebrado em plena contagem aérea de cervos do Pantanal, obrigando-me a voltar para Nazaré Paulista e me fazendo encontrar o professor Dr. Cláudio Pádua no aeroporto – encontro que, mais tarde, me levaria para um estágio em Londres.

Agradeço à Visa e aos bancos nacionais, que me permitiram usar apenas 10% de um limite quase inexistente do meu cartão de crédito em Londres, me levando a grandes experiências e relações humanas próximas com um povo conhecido pela distância. Aqui estão o John, a Amy, a Thais, o Alejandro, a Charmian, a Amanda, o Tim, o Gary e, especialmente, a Sam.

Fazendo um adendo nessa cronologia, agradeço a insistência da minha mãe por comprar uma casa na Rua Rio Negro, que me levaria a ser vizinho de maravilhosas pessoas e a criar a melhor banda do mundo – Os Malukos das Havaianas, que, em sua última composição, tinha o Heitor e o João na bateria; o João, o Massao, o Para-raio e eu na guitarra; o Heitor e o Massao na gaita; e eu, o Massao, o Heitor e o João no vocal, o Batata e o Jonathan no metal (procura-se um baixista). Muito da filosofia da banda está nesse projeto.

Agradeço aos departamentos das universidades que, por serem chatos, fizeram com que o professor Dr. Ismael Ângelo Cintra desistisse do mundo acadêmico e focasse seus esforços para ensinar português àqueles desprovidos dessa habilidade, como eu.

Agradeço à minha família na figura da minha mãe, do meu pai, do meu irmão, do meu sobrinho, da minha cunhada, das minhas tias, dos meus primos, da minha avó e da Letícia.

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Rafael Morais Chiaravalloti, biólogo e mestre em Desenvolvimento Sustentável.

Livro: “Escolhas Sustentáveis: discutindo biodiversidade, uso da terra, água e aquecimento global” com Cláudio Pádua, Editora Urbana, 2011, 169 p.

Site: Café com Sustentabilidade

e-mail: rafaelmochi@gmail.com, Facebook, @R_Chiaravalloti

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Lançamento do livro "Escolhas Sustentáveis"