sábado, 3 de julho de 2010

Questionamentos, idéias, ações e 17 galinhas mortas – o que seria a Sustentabilidade?

Alguns meses atrás, pensei que realmente tivesse tido uma grande idéia. Como em minha casa já havia duas cachorras de grande porte, resolvi levar o filhote (o “Chantilly”) de uma delas para um sítio. O grande espaço aberto que existia e a vida um pouco mais selvagem fariam bem a ele. Embora, nos meus pensamentos mais abissais talvez tenha transferido para o filhote as minhas vontades, realmente estava confiante que seria uma atitude apropriada. No entanto, não contava com seu aguçado paladar para galinhas, e especialmente galinhas do caseiro. Ao final de seis meses foram 17 galinhas mortas e 250 reais a menos na minha conta. O Chantilly voltou para a minha casa e concluí que não tivera uma boa idéia.
No entanto, boas ou ruins, as idéias são ferramentas do auto-questionamento, movem o homem em direção ao confronto de suas naturezas, e são veículos de crescimento pessoal e social. Os meus questionamentos sobre a qualidade de vida que o Chantilly e eu teríamos se ele morasse em casa foi o princípio de ter a idéia de levá-lo para o sítio. O exercício de questionar o presente e projetar idéias para o futuro é fundamental. Como já disse um grande amigo meu em uma conversa de bar: a história do mundo é, essencialmente, feita de idéias.
Foi no questionamento sobre o presente que também surgiu a idéia de sustentabilidade. A indignação e a não aceitação das enormes injustiças sociais e a avançada degradação ambiental fizeram muitas pessoas idealizarem um mundo melhor e mais justo. Um mundo em que a economia, o ambiente e o social seriam discutidos juntos, e nenhum seria privilegiado em função da supressão de outro. Esse pensamento, de certa forma mais sistêmico, foi chamado de “O Tripé da Sustentabilidade” ou como revisado pela primeira vez pelo inglês John Elkington no livro “Canibais com Garfo e Faca”, “The Triple Botton Line”.
Com o tripé da sustentabilidade idealizado podemos partir para ações mais concretas, e para isso precisamos de um conceito que nos guie. Um conceito que reúna as três variáveis do tripé e as represente de modo equitativo. Contudo, principalmente pela idéia ter tal caráter holístico, essa definição torna-se deveras complicada.
Cada uma das três variáveis é formada por diversas áreas de conhecimento e cada área é resultado de, no mínimo, dezenas de anos (talvez centenas ou até milhares) de acúmulo de informação. Como exemplo, podemos citar as áreas de conhecimento dentro da questão ambiental. Alguns teóricos dizem que são 11 áreas interagindo-se (Soulé 1985). Baseando-se no parâmetro brasileiro de áreas de conhecimento desenvolvido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (órgão máximo de ensino superior no Brasil), existem 76 áreas. Ou seja, apenas relacionado à questão ambiental, a sustentabilidade utiliza o saber de quase 15% de todas as áreas de conhecimento. É muita informação para ser sintetizada em apenas um simples conceito.
Por isso, a partir do conceito dado sobre desenvolvimento sustentável (ou sustentabilidade) pelo Comitê Brundtland inúmeros outros surgiram para tentar sintetizar uma idéia que, de certa forma, é simples. A frase “inúmeros outros conceitos foram criados”, justifica-se, pois realmente são inúmeros outros. O pesquisador John Holmberg, vice-presidente da Universidade de Tecnologia Chalmers (Suécia), fez um levantamento com mais de 80 diferentes definições e interpretações sobre sustentabilidade as quais compartilhavam a idéia de união entre economia, sociedade e ambiente (Mebratu 1998). É interessante notar que esse levantamento foi realizado no ano de 1994, e me arrisco dizer que hoje esse número tenha, possivelmente, dobrado.
Os conceitos normalmente estão em sintonia com o foco de estudo do pesquisador. Se o autor é adepto de uma linha mais social, ele tenderá a favorecer argumentos como justiça, igualdade e bem estar humano. Se o autor é adepto de uma linha mais econômica, os argumentos serão baseados em longevidade empresarial e durabilidade da economia. Finalmente, se o autor é adepto de uma linha mais ambiental, privilegiará principalmente a conservação de áreas naturais e o uso parcimonioso de recursos. Dentre todos os conceitos que existem sobre sustentabilidade, provavelmente, a maioria deve abranger algum aspecto das três principais variáveis, o que nos autoriza a dizer que os conceitos em sua maioria estão certos, porém não são completos.
Abaixo seguem 3 conceitos sobre sustentabilidade:
A sociedade ter o poder de redirecionar as modificações na biodiversidade e de lutar pelo bem estar e pela saúde humana (Freitas e colaboradores 2007) – ótica social.
Viver em harmonia com a natureza e com a sociedade (Mabratu 1998) – ótica ambiental.
Alvo móvel que norteia a busca de práticas que visem durabilidade em competitividade de um empreendimento ou instituição, levando em consideração responsabilidade ambiental, justiça social e viabilidade econômica (Smeraldi 2009) – ótica econômica.
Contudo, tentar memorizar os inúmeros conceitos que existem não é sinônimo de compreender o que seria sustentabilidade. Para podermos concretizar a idéia é necessário focar em apenas um conceito. O conceito que irei apresentar não pode ser considerado nem mais e nem menos correto. No entanto, escolhi este pois está dentro de um viés ambiental, o qual sinto mais afinidade.
Sustentabilidade, um conceito:
A palavra sustentabilidade significa a interação de duas coisas: uma sustenta e outra é sustentada. É provável que ao final do dia em um canteiro de obras, alguém comente que “aquela laje está sem sustentabilidade”. A laje no caso está sendo sustentada e quem sustenta são os pilares e as vigas. O leite para a criança sustenta e ela é sustentada. Portanto existe sustentabilidade nessa relação. No caso da sustentabilidade que buscamos, quem sustenta é o ambiente, toda a biosfera, as fontes de recursos que existem, e quem é sustentada é a economia. Uma economia sustentável é aquela que não acaba com as fontes de recursos. Se não existem mais recursos, a economia não se sustenta, a laje cai e a criança fica com fome.
Mas o que exatamente dentro da economia deveria ser sustentado é motivo de certa divergência. Uma primeira definição refere-se a uma visão de utilidade, tratada principalmente por economistas neoclássicos. A justificativa parte da convicção de que se deve sustentar a utilização dos recursos para uso das gerações futuras e não utilizar os recursos agora em razão de um gozo-futuro. A idéia principal é de que as gerações futuras devem apresentar, no mínimo, a mesma felicidade, bem estar social e a mesma utilização de recursos per capita que a geração atual.
Dar um sentido de utilidade e prospectar para as gerações futuras é passível de algumas críticas. A principal está relacionada à falta de previsibilidade sobre a vida que Ernerst Mayr, grande biólogo evolucionista que morreu aos 100 anos de idade, defendia. Mayr (2004) dizia que os seres humanos, além de ter todas as aleatoriedades do mundo vivo, vivem em complexa sociedade o que revestem de imprevisibilidade as projeções futuras. Assim, teoricamente apenas poderíamos deixar “mecanismos” para o bem estar das gerações futuras, embora não possamos garanti-lo. Entretanto, argumentar em beneficio das gerações futuras apresenta uma vantagem de marketing. A utilização desse argumento em sociedade cria maior vínculo com as ações sustentáveis, uma vez que parte para um sentimento de preservação da espécie humana ou da própria rede social.
Uma segunda definição do que deve ser sustentado está vinculada a uma questão mais ecológica de uso de recursos. Por essa definição, o que deve ser sustentado é a taxa de retirada de recursos da natureza de modo que esses recursos não se esgotem. Para entendermos a estrutura da taxa de retirada de recursos da natureza é necessário discutir algumas teorias sobre ecologia, as quais são a base desse argumento.
Mas antes de discutirmos conceito e teorias de ecologia, é realmente importante entender a idéia de sustentabilidade e seus desmembramentos nos inúmeros conceitos. São esses dois fatores que irão nos guiar através das ações sustentáveis, e tê-los em mente nos fará caminhar no rumo certo. Pois a idéia de sustentabilidade, diferentemente da minha com o Chantilly, é uma ótima idéia.
Referências:
CAPES - Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Tabela de Áreas de Conhecimento. 2009
Elkington, J. Cannibals with Forks: The Triple Button Line of 21st Century Business. Ed. Caspone. 1997. 410 pag.
Freitas, C. M.; Schüz, G. E.; Oliveira, S. G. Environmental sustainability and human well-being indicators from the ecosystem perspective in the Middle Paraíba Region, Rio de Janiero State, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, n. 23. 2007
Mayr, E. Biologia, Ciência Única. Ed. Companhia das Letras. 2005. 266 pag.

Mebratu, D. Sustainability and Sustainable Development: Historical and Conceptual Review. Environmental Impact Assessment Review, n. 18. 1998.
Smeraldi, R. O Novo Manual de Negócios Sustentáveis. Ed. Publifolha. 2009. 204 pag.
Soulé, M. E. What is Conservation Biology? BioScience, vol. 35 n. 11. 1985

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