quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Agricultura Sustentável e Agricultura Ecológica: comando e controle versus políticas de incentivo


Apesar do seu conceito ter se desenvolvido há algumas décadas, apenas recentemente a palavra 'sustentabilidade' tem adquirido popularidade não apenas no que tange ao conhecimento ecológico, mas também às diversas esferas, como a empresarial, e em âmbito pessoal de estilo de vida. De acordo com o relatório Brundtland da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, sustentabilidade seria um “modelo de desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades”.

Partindo dessa definição, deduz-se que uma agricultura sustentável é aquela cujo processo de produção, uso de insumos energéticos, água e demais recursos são feitos de forma a não comprometer a capacidade do meio de prover culturas agrícolas por tempo indeterminado. Avançando ainda mais sobre 'sustentabilidade' e seus inúmeros significados e entendimentos, o inglês John Elkington, em seu livro “Canibais com Garfo e Faca” (Cannibals with Forks: The Triple Bottom Line of 21st Century Business, 1998), introduz o conceito do 'tripé da Sustentabilidade' (The Triple Botton Line).

Como mencionada na dissertação de mestrado do Rafael, um dos fundadores e colaboradores do blog, o tripé da sustentabilidade idealiza “um mundo em que a economia, o ambiente e o social seriam discutidos juntos, e nenhum seria privilegiado em função da supressão de outro”. Logo, entende-se que tanto sustentabilidade como seu tripé são alvos móveis. Nenhum empreendimento comercial está isento de causar impactos, pois, por mais ético e responsável que ele venha a ser, sua pegada ecológica não pode ser suprimida, apenas compensada ou mitigada. Dentro da ótica econômica empresarial de desenvolvimento sustentável, o pesquisador e ambientalista Roberto Smeraldi define sustentabilidade como a busca por “práticas que visem à durabilidade em competitividade de um empreendimento ou instituição, levando em consideração responsabilidade ambiental, justiça social e viabilidade econômica”.

Levando em conta tais definições, uma agricultura sustentável, além de utilizar seus insumos e recursos de forma sábia a fim de preservá-los para gerações futuras, também pressupõe retornos financeiros advindos de uma prática cujos processos de produção sejam realizados com responsabilidade ambiental e por empregados sob condições e regime de trabalho éticos e justos. Nota-se, então, diferenças substanciais entre agricultura sustentável e agricultura ecológica, cuja maior preocupação recai no respeito aos ciclos da natureza, uso responsável de recursos e insumos naturais.

Diante da impossibilidade de conversão de todos os sistemas agrícolas convencionais em sistemas agroecológicos, a lógica defendida por mim é semelhante à empregada por consultorias socioambientais. Ou seja, já que é praticamente impossível conter as atividades de grandes indústrias e empresas, deve-se unir esforços para que tais atividades tenham continuidade passando a incorporar as externalidades ambientais, a contemplar diferentes anseios de todo público interessado e sem comprometer seu desempenho no mercado.

Essa não é uma tarefa fácil e nem representa uma atitude ideal. O mais coerente seria a adoção por todos de um novo modelo mental de articulação e conduta da sociedade, onde padrões de produção, consumo e comportamento sejam repensados e rearranjados de acordo com a capacidade de resiliência dos recursos do planeta. No entanto, empreendimentos multinacionais industriais e o agronegócio não só fazem parte da atual realidade da nossa sociedade capitalista moderna, como são sua força motriz. À medida em que o movimento ambientalista e por direitos humanos mudou a tática de retaliação e passou a semear mudanças mais pragmáticas e tangíveis no modus operandi empresarial através da garantia de permanência dos lucros, percebeu-se que isso consistia em um primeiro passo para provocar a tal mudança de modelo mental. Adotando novas práticas por conveniência é um meio de se trabalhar a sensibilização e de se atingir a convicção.

O Grupo Empresarial Balbo, dono da marca Native de alimentos orgânicos, quebrou paradigmas no setor sucroalcooleiro através do empreendedorismo de converter parte de seus canaviais convencionais em orgânicos. Até então nunca pensaram ser possível colher cana verde e hoje há intensos debates na câmara sobre a proibição da prática da sua queima, considerada atualmente uma atividade de grande risco socioambiental e desnecessária nos processos de produção do setor. Mas, como nem tudo pode ser feito e funcionar com base em incentivos e diferencial de competitividade, cabe à intervenção estatal o papel de regulador máximo das atividades de diferentes setores industriais.

E é justamente nesse ponto que enfatizo o importante papel das políticas públicas como indutoras tanto no fomento da agricultura ecológica, como na transformação das práticas da agricultura convencional em práticas mais sustentáveis. Tão importante quanto políticas de incentivo à produção orgânica, são as políticas de comando e controle no agronegócio. Políticas, por exemplo, que estabeleçam limites máximos de emissão de gases de efeito estufa, de uso de combustíveis fósseis, dentre outras exigências nessa linha, que visam minimizar os impactos na agricultura de grande escala.

Assim como a prosperidade do mercado, os altos preços e alta demanda atraem cada vez mais empreendedores para o cultivo orgânico, as políticas públicas de incentivo são de equivalente importância. Em um post antigo comentei como a agricultura orgânica floresceu e prosperou nos Estados Unidos a partir da organização civil, do conceito americano de que iniciativas privadas podem concretizar e consolidar tendências e mercados. Já no contexto europeu, o agricultor familiar é protegido pelo governo que, através de políticas de subsídios que mantém seus produtos competitivos frente aos importados, assegura a permanência desses pequenos fazendeiros no campo e garante a permanência da paisagem bucólica europeia.

Tanto a iniciativa privada quanto a estatal são importantes na consolidação do mercado orgânico brasileiro. Apesar de ter se estabelecido de modo semelhante ao americano, o nosso mercado orgânico tem enorme potencial de crescimento pelas duas esferas de atuação. Algumas políticas públicas de interessantes resoluções recentemente implantadas são o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programas Nacional de Alimentação Escolar, que garante aos agricultores familiares de comunidades rurais tradicionais escoamento da sua produção atraes da compra pelo governo à preços competitivos. Nesse contexto, as políticas de incentivo são mais apropriadas que as de comando e controle, que por sua vez são mais indicadas para impor limites nos modos e quantidades de insumos e emissões de poluentes da agricultura industrial concebida pela Revolução Verde, cujos pacotes foram introduzidos e disseminados no Brasil também pelo governo através de créditos agrícolas.

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