quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Entrevista com Jefferson Ferreira Lima



Jefferson Ferreira Lima é graduado em geografia e realizou mestrado em Agroecologia e Desenvovimento Rural Sustentável pela Universidad Internacional de Andalucia, na Espanha. Ele é pesquisador do IPÊ desde 1998 e coordena o Projeto Café com Floresta, que implementa Sistemas Agroflorestais (combinando a cultura do café com outras espécies nativas e frutíferas) nas áreas de preservação permanente e reserva legal das propriedades dos assentados de reforma agrária do Pontal do Paranapanema. Em entrevista concedida para O Xilema, Jefferson fala sobre agroecologia, as políticas públicas nessa área, o boom mercadológico dos orgânicos e o papel do terceiro setor no fomento das agriculturas sustentáveis! Confira!

1. Como você define a agroecologia?

Para mim agroecologia é um processo, mecanismo ou ferramenta que dá condições à agricultura familiar de ser sustentável. Quando falamos em agroecologia pensa-se em uma cosmovisão, totalmente integrada, não dá para pensar a propriedade familiar sem levar em consideração todos os fatores envolvidos, as condições, geográficas, climáticas, humanas socioculturais e econômicas. Não é se preocupar apenas com a microfauna do solo, por exemplo, é integrar tudo. Não gosto de nenhum rótulo, muito menos rotular a agroecologia de ciência. Porque uma classificação acadêmica como essa não faz sentido para uma ferramenta que está à serviço do pequeno agricultor e se desenvolve principalmente através das observações e experimentações, que são as bases para se desenvolver as tecnologias envolvidas nesse manejo. Ao categorizar a agroecologia de ciência, remete-se a um conhecimento de doutores, é claro que existe uma base teórica que requer um conhecimento acadêmico, mas não é apenas isso. Essa definição é muito curta.

2. O que você acha das políticas públicas implementadas para fomentar atividades agrícolas sustentáveis focadas na agroecologia e para capacitar profissionais que atuem nessa linha de produção e manejo da terra?

Tivemos grandes avanços no Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), a partir de várias oficinas que ocorreram no país todo, na inserção da agroecologia nos planos de assistência técnica em comunidades tradicionais, quilombolas, do reconhecimento dessas iniciativas, que antes não se tinha. Existem algumas ações, como o crédito para a reforma agrária, ou seja, há avanços importantes, porém há ainda muito que expandir. A questão do crédito ao pequeno agricultor, por exemplo, é muito complicada de se conseguir, é meio 'amarrado'. Quando falamos em agroecologia nos referimos a toda a gestão, não dá pra falar que um agricultor que era convencional virou agroecológico na semana seguinte, existe um processo de substituição de insumos, de transição, para aí se tornar um produtor agroecológico sustentável. E o tempo desse processo depende de cada região e de cada realidade. As agências financeiras querem uma coisa muito clara, muito fixa, como eles estão acostumados, querem saber quantos quilos de calagem, de adubo, etc tudo pré-estabelecido, e agricultura ecológica não é assim. As iniciativas já melhoraram bastante, mas o crédito precisa ser mais popularizado e facilitado o seu acesso, que fica muito nas mão desses agentes financeiros. Muitas vezes um agricultor familiar está inadimplente, por ter pego antes para plantar outras culturas de modo convencional, e por isso não consegue acessar o crédito de agroecologia. Isso constitui uma forma de estrangular o processo de transição, porque ele não pode ter acesso a esse recurso. Mas a minha maior crítica é a falta de técnicos devidamente capacitados que forneçam assistência e orientação a esses agricultores. Pois por mais que o produtor consiga acessar o crédito, sem uma orientação e acompanhamento devidos, há chances dele se endividar ainda mais. As vezes esse acompanhamento é curto e limitado, é pontual de um projeto. Sem um acompanhamento adequado e constante, o produtor pode retroagir, pode desistir.

3. Em sua opinião, o boom dos produtos orgânicos no mercado atualmente serve apenas para abastecer um novo padrão alimentar de classes sociais mas privilegiadas, ou vem se consolidando forte o suficiente para gerar mudanças na indústria alimentícia?

Nos espaços em que posso participar, eu sempre coloco essa discussão. Nosso desejo é que cada vez mais agricultores, mesmo grandes, adotem insumos e práticas mais naturais e de menor impacto socioambiental. Nos EUA é muito comum vermos produtores orgânicos cultivando hectares e mais hectares com tratores, etc. Isso por um lado é bom, pois tais agricultores deixam de utilizar agroquímicos, especialmente porque na agricultura orgânica são necessários muitos insumos e mão de obra, que por sua vez encarecem o produto. Por outro lado esses produtos não são agroecológicos. Na agroecologia os produtos são todos orgânicos, mas voltados à classe C e D, menos favorecidas, que passam a ter acesso a esses produtos de boa qualidade, produzidos de forma mais barata. A agroecologia acontece muita sinergia, que acaba barateando os recursos de mão de obra, principalmente. Então, o que acontece é que o pessoal acaba culpando a mão de obra pelo encarecimento do produto no mercado, mas na verdade, a meu ver o que acontece é o aproveitamento de um nicho de mercado existente para se acumular recursos muito rapidamente, ganhar dinheiro rápido. Entre as duas pontas da cadeia, produtor e consumidor, há uma rede de negócios que são os atravessadores (higienizadoras, empacotadeiras e distribuidoras), cujos serviços acabam encarecendo ainda mais os produtos. O produtor chega a receber apenas 30%, no máximo do valor final de um produto orgânico vendido na Europa, por exemplo, por ter alimentado toda uma cadeia no meio. Para sanar esse tipo de problema, é preciso que os projetos e profissionais que atuam nessa área busquem cada vez mais formas de unir esses dois extremos da cadeia. Eu conheço sistemas em que é possível trabalhar localmente, sem esses rótulos de sucesso, como 'exportação', venda em cooperativas, etc. Temos muito potencial para trabalhar primeiro com a questão dos produtos locais, depois extrapolar aos regionais, daí estaduais e nacionais, para depois pensar no cenário internacional. Vamos cuidar primeiro do que é nosso.

4. De que forma o terceiro setor pode contribuir para a expansão da agropecuária sob os preceitos da agroecologia?

Antes de desenvolver as comunidades, desenvolver ações, projetos e economia, é necessário envolvimento. Muitas entidades, do terceiro setor, principalmente, tem que estar mais próximo das suas bases, mais próximo do público o qual elas trabalham, conhecer sua realidade e fazer uma política de baixo para cima, ao invés de criar receitas. O terceiro setor tem muita capacidade de influenciar políticas públicas nas comunidades onde trabalham. Fazer experimentações, iniciar processos sistêmicos e complexos que integram vários atores, que envolva o conhecimento e saber camponês, da realidade da região em questão, e que não venham com pacotes prontos, com receitas prontas, antes de começar a falar, passar a perguntar mais, a entender essas comunidades e a partir daí sim começar a traçar os planos pilotos, as experimentações.

3 comentários:

  1. Muito legal a entrevista! Um interessante ponto de vista sobre sobre um mercado que, as vezes, parece estar voltado apenas as classes altas. Paranbéns!

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  2. de fato esse cara conhece e sabe bem o que esta falando. Não é puxando saco mas ele foi meu professor durante três anos, e ele tem uma visão ampla sobre a agroecologia, de como garantir sustentabilidade ambiental e econômica para o pequeno agricultor. meus Parabéns. abraços

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  3. Este tipo de programa ajuda a reduzir os impactos ambientais gerados pelas cadeias produtivas.
    Precisamos divulgar mais este tipo de iniciativa transformando-o em um multiplicador; pois além de cuidar da natureza, ajuda o produtor local a melhorar sua renda.

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