terça-feira, 16 de novembro de 2010

Entrevista com Alexandre Harkaly


Alexandre Harkaly é engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) com ênfase em solos e é diretor executivo do IBD Certificações. Em entrevista exclusiva ao Xilema, Alexandre conta sobre a trajetória do IBD, as formas de venda dos produtos orgânicos, os principais entraves ao crescimento da agricultura orgânica como negócio sustentável e muito mais! Confira!




1. O IBD atua como instituição certificadora sem fins lucrativos desde 1990, não é isso? Conte um pouco sobre o surgimento do instituto e sua trajetória.


Eu comecei o IBD com os meus colegas em 1983. Me formei como agrônomo em 1980 fui para a Europa, conheci a agricultura biodinâmica, fiz um curso de especialização, voltei fundamos o IBD em 1983, na verdade ele já estava em gestação em 1982. A gente resolveu criá-lo em Botucatu, porque naquela época tinha a Estância Demétria, que era a única fazenda biodinâmica no Brasil. Com a nós íamos começar com pesquisa, a gente conseguiu um lote de terras ao lado da Demétria, queríamos um vizinho amigo. Tanto eu como alguns colegas já havíamos visto agricultura biodinâmica na Europa funcionando há décadas, então nós tínhamos uma visão de futuro, de sonhos e, durante toda a década de 80, funcionou basicamente como um instituto de pesquisa e desenvolvimento rural, com equipes de pesquisa e consultores. A certificação no Brasil, apesar de fazer parte dos nossos horizontes, era muito 'crua', incipiente ainda, mas como a vimos funcionar na Europa e nos Estados Unidos, nós sabíamos que não tardaria para chegar ao Brasil. Então redigimos e adaptamos as normas tanto orgânicas como biodinâmicas, na época, inspirados por materiais que vinham do exterior e começamos a oferecer o serviço de certificação no começo dos anos 90, em paralelo com um crescimento do mercado. Mas, ao longo dessa década, o instituto cresceu e dividiu-se em 3 instituições: a Associação Biodinâmica, que continuou desenvolvendo pesquisa e consultoria; o Instituto ELO, que continuou fazendo cursos em biodinâmica; e O IBD certificações, onde eu me fixei, ainda sem fins lucrativos. No entanto, recentemente transformamos o IBD em empresa limitada mais condizente com a realidade atual.


2. Segundo a Lei 10831/03, existem três possibilidades de venda dos produtos orgânicos: a venda direta ao consumidor, através de Sistemas Participativos de Garantia (SPG) ou pela certificação auditada. Qual a diferença entre elas, as vantagens e limitações de cada?


Curiosamente, a agricultura biodinâmica surgiu através de mecanismos participativos de certificação. Aí veio a onda de auditoria ISO, de auditoria externa, uma instituição que acompanha e comprova o que a empresa tá fazendo, etc. Tudo parecia que a lei brasileira iria apoiar o sistema por auditoria somente. Mas, alguns grupos no Brasil, propuseram e convenceram politicamente o setor orgânico e o governo, de resgatar o sistema participativo de certificação. Interessante também que a venda direta foi inclusa, porque quando o consumidor vai à propriedade do fornecedor, ou quando o produtor vai à feira e vende diretamente ao consumidor, já ocorre naturalmente um certo controle do consumidor, por isso que se isenta dos vendedores diretos a certificação. Mas isso ocorre de uma maneira relativamente restrita, o que eu acredito que estará mais proeminente são os SPG e por auditoria. Os SPG são extremamente capazes e viáveis, mas seu funcionamento não é simples e requer uma série de procedimentos que, caso não haja um controle efetivo do governo, podem cair em descrédito. O mesmo vale para o sistema por auditoria. Da mesma forma que se o governo não fizer um controle rigoroso das certificadoras, essas também podem cair em descrédito. Se abandonar o setor, como acontece em outras áreas no governo,ele fica propenso a fraudes. Posso dizer que também existem grandes fraudes no setor das certificações por auditoria. Fraude acontece em qualquer lugar. Por enquanto os grupos que estão se matriculando como OPACS possuem um histórico bacana de atuação, e parecem capazes e possíveis.


3. Ao invés de trabalhar junto à práticas tradicionais de cultivo e manejo, alguns proprietários, comunidades e famílias rurais adotam padrões externos de produção agrícola sustentável, visando obedecer a normas impostas pelas certificação. Como você acha que as certificadoras lidam com o risco da perda das práticas locais em detrimento dessas técnicas e padrões exigidos?


Eu sou um defensor da biodinâmica, mas não sou radical, me considero um defensor que tem uma visão prática das coisas, pra mim a biodinâmica faz sentido em algumas coisas e em outras não. Numa região do sudeste ou do Brasil central que quiser cultivar soja orgânica, eu acho necessário utilizar esses preparados biodinâmicos similar a um tratamento homeopático, de revitalização de sistema de produção. Agora, utilizar esses preparados para produzir castanha do pará biodinâmica na amazônia, não há necessidade, pois trata-se de uma área ainda bastante conservada e vitalizada. Qual é a proposta do Rudolf Steiner com a biodinâmica? Se vc pensar que a Alemanha dos anos 20 já possuía uma agricultura tecnificada com insumos químicos, já naquela época os impactos negativos da agricultura moderna ocorriam em pequena escala. Assim, agricultura biodinâmica surge para tentar contrabalancear esses efeitos, já antevendo os estragos futuros dessas práticas, ainda mais com a globalização já ocorrendo entre os países da Europa ocidental. Foi a primeira vez que preparados homeopáticos foram criados e introduzidos para a agricultura, partindo do pressuposto de que o corpo humano é um microcosmo, se faz bem a ele, porque não no macrocosmo, no solo? Os preparados biodinâmicos são concentrados, com bastante energia acumulada. Por exemplo, a camomila não faz bem à digestão? Ora, com certeza um preparado de camomila aplicado a um campo de trigo, fará bem ao solo, onde a transformação de toda a matéria ocorre. Tudo isso me diz que os ambientes que estão em processo de degradação ambiental e desvitalização precisam da biodinâmica, já o ambientes que ainda possuem uma capacidade de regeneração forte, não precisam da biodinâmica, e por sote muito do Brasil ainda possuem sua própria vitalidade. É preciso compreender a raiz da origem e dos fundamentos de cada impulso cultural para depois não se equivocar na hora de aplicar tais impulsos e misturar essas coisas. E nós damos predileção a esses impulsos culturais em detrimento da agricultura biodinâmica, até porque uma biodinâmica mal aplicada é uma ignorância cultural.


4. Em alguns setores do campo de atuação de certificação de produtos orgânicos no Brasil, principalmente o sucroalcooleiro, identifica-se uma reprodução do modelo convencional de agronegócio, focando na substituição de insumos e tecnologia verde, provocando assim, um novo tipo de espiral tecnológica e manutenção da concentração do setor. Qual sua opinião em relação a isso e como você acha que as certificadoras deveriam trabalhar essa questão?


Vamos falar um pouco do grupo Balbo, que sei porque certifico. Atualmente eles devem produzir cerca de 15% do açúcar orgânico mundial, uma parcela importante e considerável. Agora se vc pega a participação da produção de açúcar orgânico brasileiro no cenário mundial corresponde a quase 40%, ou seja, o Grupo Balbo já não está sozinho. Existem três outras usinas concorrendo fortemente com eles, somando atualmente 4 usinas no Brasil que trabalham com açúcar orgânico. E tem espaço para um quinta, uma sexta, etc, usinas produzirem juntas, à vontade. É muito mais uma questão desses grupos serem visionários do que de dominarem um setor porque eles conseguem e os outros não. Açúcar orgânico é o menos complicado dos orgânicos, é mais fácil converter cana do que soja, citrus, etc. Contudo deve-se acreditar e investir para gerar uma prática orgânica realmente sustentável e de qualidade. Outro fator é que o setor sucroalcooleiro já é estruturalmente concentrado em sua prática convencional. Agora vc pega o café orgânico, por exemplo, está muito mais pulverizado! Eu certifico cafeicultores com 50 hectares, por exemplo. E vc não encontra maiores que 200 hectares, com raras excessões, já existem centenas de produtores certificados, ou seja, são setores com características diferentes, deve-se levar isso em conta. Hoje pode-se afirmar que se o setor usineiro quiser, há espaço para muito mais usinas de produção orgânica, pois há grandes grupos empresarias, demandando esse açúcar, que o Grupo Balbo sozinho não dá conta.


5. De acordo com Storel Jr. & Ramos, em uam publicação do Imaflora, “A ênfase no insumo, característica das regulações da certificação orgânica da fase atual, permite que, via mecanismos legais, sejam criados ou destruídos mercados de novos produtos orgânicos. Outro mecanismo de criação de barreiras à entrada é a exigência de documentação do histórico da área, que implicitamente cria grande favorecimento aos proprietários”, em detrimento do produtor não-proprietário. Diante disso, qual é o seu posicionamento em relação às exigências das certificadoras?


Eu discordo dessa declaração. Existem normas bem claras do que pode ser usado na agricultura orgânica, originando assim, um setor de fornecedor de insumos bons, que são aqueles que não nos fazem mal. Multinacionais de insumos danosos, químicos, estão comprando empresas de insumos naturais, adaptados à agricultura orgânica, por conta tanto do desejo de se inserir nesse nicho, como pelo questionamento, pela rejeição e banição cada vez maior dos insumos químicos. Essa questão de declarar que criados ou destruídos mercados de produtos orgânicos, via mecanismos legais, é chover no molhado, não diz nada. Fato é que precisamos de bons insumos, e o mercado está aberto a quem quiser e as multis não entraram neste mercado para valer. Também não sei se vão entrar ou não. E a questão do histórico da propriedade, ele é importantíssimo e sua exigência não inviabiliza o produtor de ser certificado. O IBD, por exemplo, certifica vários arrendatários que bastaram apresentar o contrato de arrendamento e resgate do histórico. O histórico faz parte de uma série de informações que devem ser apresentadas pelo produtor junto a um plano de manejo, que deve conter quais insumos poderão ser ou não usados. Essas exigências não são em vão, elas fazem parte inerente do processo de certificação de serviços.


6. Por fim, quais são, para você, os principais entraves da expansão das agriculturas sustentáveis como um negócio de fato sustentável e os possíveis caminhos para driblar esses obstáculos?


Do lado da produção existe o desafio tecnológico, é necessário muita criatividade e muita pesquisa para desenvolver formas de adubação e de tecnologia no manejo agrícola para que vc possa chamá-lo de orgânico. Eu sou testemunha de uma verdadeira superação tecnológica frente aos vários produtos orgânicos existentes no mercado e em escala expressiva. Junto à tecnologia vem toda a estrutura complementar, como créditos e garantia de seguro bancário para a agricultura orgânica, tá tudo bem incipiente ainda. Do lado do consumidor o que falta é uma grande campanha de divulgação dos conceitos e benefícios da agricultura orgânica. Quem desconhece as vantagens dos orgânicos não pagam a mais por eles. Os preços só ficarão mais baratos se atingirem um ganho de escala e resolução de problemas de logísticas. E isso só vai acontecer se o consumidor apostar isso, então as mídias e as verbas de marketing tem que investir nisso frente ao consumidor.

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