quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Entrevista com Walfrido Tomas






É com muito prazer posto esta entrevista no blog ==O Xilema==. Passados anos de companheirismo e trabalhos juntos, Walfrido Moraes Tomas, me concedeu mais esta grande oportunidade: colocar algumas de suas opiniões no blog. A entrevista, que começou em uma manhã conturbada e continuou em uma conveniência de posto de gasolina no meio Corumbá, é uma grande chance de ter uma visão das implicações e causas do desmatamento no Pantanal, e possíveis soluções para o problema. Walfrido Moraes Tomas é um dos maiores pesquisadores que já conheci. Não digo isso por sua produção bibliográfica (que também é grande), mas digo pelo seu gosto pela investigação, sua curiosidade e criatividade diante de novos desafios.

Alguns meses atrás o IBAMA publicou um relatório mostrando que o desmatamento no Pantanal está mais acelerado do que na Amazônia. Como você analisa esses resultados?

Os dados são preocupantes, mas vários aspectos precisam ser considerados. Um levantamento semelhante, referente ao mesmo período, produziu resultados similares. Este levantamento foi realizado por um conjunto de ONGs e com colaboração da Embrapa Pantanal. O levantamento feito pelo MMA, por sua vez, é parte de um programa de governo que busca mapear o avanço do desmatamento nos diversos “biomas” brasileiros. Ambos os levantamentos tomaram por base o mapa oficial do Brasil no que se refere aos limites dos “biomas”, determinado pelo IBGE. No caso do Pantanal, há discrepâncias entre os limites do “bioma” oficial e os limites da planície de inundação, ou seja, o Pantanal propriamente dito. Esta discrepância é particularmente evidente no norte do Pantanal na região de Cáceres (MT) e municípios vizinhos. Ali, muitas áreas altas, que apesar de estarem dentro da Bacia do Alto Paraguai, não devem ser consideradas Pantanal. O resultado de se mapear o desmatamento nesta área e considerá-la como parte do Pantanal é que possivelmente produza uma maior porcentual de área desmatada no “bioma”. Este mesmo problema também ocorre na região de Corumbá, ao redor do maciço do Urucum, na parte alta onde está a cidade. Mesmo que seja compreensível que o MMA utilize para o monitoramento do desmatamento o mapa oficial do “bioma”, é preciso sempre levar em conta esta discrepância. O ideal é que o IBGE corrija seu mapa do “bioma” Pantanal, adotando os limites da planície já determinados pela Embrapa Pantanal na década de 90.

Acho também importante ressaltar que mapas de desmatamento são como uma fotografia de determinado momento, e então é preciso levar em conta a tendência do processo de desmatamento. Como o desmatamento é acumulativo, é de se esperar que se esta tendência for mantida, a área desmatada tende a aumentar. Assim, podemos relativizar os impactos quando se compara o desmatamento medido atualmente com processos que vêem afetando o Pantanal, notadamente o assoreamento dos rios. Este processo é muito mais grave, porque afeta o macro-ecossistema pantaneiro de forma sistêmica, caracteriza-se por um processo contínuo que modifica o principal fator ecológico que define o Pantanal como área úmida: o regime hidrológico ou o padrão das inundações sazonais. Portanto, quando se diz que o Pantanal é hoje o “bioma” mais conservado, levando-se em conta apenas o estado de conservação de suas paisagens, pode-se estar cometendo um grave erro de interpretação, haja vista o processo de assoreamento por que passam quase todos os rios pantaneiros, incluindo o rio Paraguai, pode estar resultando em profundas modificações no Pantanal. O caso mais ilustrativo deste processo é o rio Taquari. Este assoreamento dos rios pantaneiros advém não do desmatamento dentro do Pantanal, mas nos planaltos adjacentes e áreas de transição, localizados na Bacia do Alto Paraguai.


O desmatamento no Pantanal tem as mesmas causas do desmatamento na Amazônia?

O desmatamento no Pantanal tem o objetivo de formar pastagens cultivadas em fazenda de pecuária. A intenção é intensificar o modelo de produção nas fazendas. É importante dizer que o Pantanal foi ocupado devido suas pastagens nativas abundantes, e a atividade de pecuária nesta forma tradicional, extensiva, se manteve por mais de dois séculos baseada neste recurso natural. Ela pouco modificou a paisagem. Em contraste, a busca da intensificação na produção se baseia na intervenção e modificação substancial na paisagem e nos habitats. Na Amazônia, como todos sabem, o desmatamento tem ainda o objetivo de exploração madeireira e expansão de áreas de agricultura, os quais não são atividades de monta dentro do Pantanal.

Quais são os impactos do desmatamento no Pantanal?

O desmatamento no Pantanal resulta em modificação na paisagem, a qual é naturalmente complexa e formada por mosaicos de diferentes tipos de habitat. A paisagem geralmente é composta de matas, cerrado, campos inundáveis, campos não inundáveis e lagoas permanentes ou temporárias. Há uma enorme variação nas características da paisagem de região para região dentro do Pantanal, em função do regime de inundação, relevo e tipo de solo. O que o desmatamento para a implantação de pastagens cultivadas faz é reduzir esta complexidade através da remoção de diversos elementos da paisagem e substituição por uma vegetação quase homogênea formada por poucas espécies. O que ocorre, na verdade, é uma brutal diminuição na diversidade da paisagem e na complexidade estrutural dos habitats. Se considerarmos que a maior complexidade da paisagem e habitats resulta em maior diversidade biológica, o efeito do desmatamento é uma diminuição, localmente, da diversidade biológica. A se manter esta modificação na paisagem, o Pantanal como o conhecemos hoje, famoso pela abundância de vida selvagem, pode estar com os dias contados, ou reduzido a algumas regiões mais inacessíveis.

Além disso, há uma estreita relação entre aspectos da cultura pantaneira a paisagem circundante. Assim, a simplificação da paisagem e a remoção de referenciais podem acabar afetando a cultura local. Ainda, sistemas mais intensificados de produção dispensam em grande parte os conhecimentos tradicionais dos peões, o que pode resultar numa erosão cultural.


Quais estratégias poderiam ser aplicadas para diminuir o ritmo e os impactos do desmatamento?

O ideal é buscar políticas publicas e mercadológicas que premiem aqueles proprietários que praticam a pecuária ao mesmo tempo em que conservam a paisagem e a biodiversidade no Pantanal. Isso pode ser alcançado através de esquemas de certificação, pagamentos por serviços ambientais e incentivos diversos. Além disso, uma legislação regionalizada, condizente com as fragilidades do macro-ecossistema pantaneiro (planaltos adjacentes e planície de inundação) precisam ser discutidas, elaboradas e aplicadas. É preciso que se adote tecnologias modernas para isso, como imagens de satélite, modelagem de fragilidades e mapas de risco, gestão de bacias hidrográficas, zoneamentos, e respeito às funções e serviços ecossistêmicos. As métricas do atual Código Florestal não foram eficientes para impedir, por exemplo, o assoreamento dos rios pantaneiros, mas elas eram a alternativa existente na década de 1960. Hoje, não faz sentido não aplicar métricas, simplesmente, sem levar em conta características de solo, declividade, riscos de erosão, ecologia de paisagens e coisas assim. Precisamos modernizar a gestão de bacias hidrográficas. Quanto ao desmatamento no Pantanal, é preciso encontrar formas de reconhecimento e remuneração àqueles fazendeiros que praticam a pecuária sem alterar a paisagem, sem impactar a biodiversidade, e sem alterar os processos ecológicos chave do Pantanal.










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