terça-feira, 17 de agosto de 2010

Negócios Sustentáveis (por Rafael Morais Chiaravalloti)

Alguém que esteja pensando em montar um negócio com um modelo focado em sustentabilidade, ou incorporar esse modelo no cotidiano da sua organização, está com sorte, pois, hoje em dia, o que mais existe são manuais para isso. A diversidade é tanta que é até possível escolher os manuais pelo número de passos que se quer seguir. Se a pessoa está com pressa pode escolher algum de cinco ou seis passos, ou se está com mais tempo pode seguir grandes relatórios ou livros em forma de manuais. De acordo com o getAbstract, principal serviço de resumos sobre livros técnicos recomendados para executivos, o termo sustentabilidade tornou-se um dos temas mais focados na literatura de negócios. Entre os cerca de 5 mil títulos presentes no acervo, 460 volumes estão relacionados ao tema. A palavra sustentabilidade está no mesmo nível de procura que temas comuns como: “negociação”, “mercado de capitais”, “marketing” e “consultoria” (Smeraldi 2009).

Para aqueles que não consideram que manuais estejam entre as coisas mais amigáveis do mundo, ou até têm traumas de infância com eles (como eu, que jamais consegui montar meus presentes de aniversário), existem outras alternativas. “Círculos virtuosos”, “vias de escalada” ou apresentações de Power Point são uma ótima opção, são simples e fáceis de seguir. Pode-se começar por indagar sobre os impactos ambientais e sociais, entender as oportunidades de negócios, prospectar ações, investir em algo que ninguém tenha pensado antes e, de quebra, salvar a natureza e promover a igualdade social. Fácil não? Nem tanto.

Pensando apenas em modelos de negócios gerais, o cenário já não é tão simples. Mesmo existindo pesadas teorias, milhares de livros temáticos e até um curso superior chamado de “administração”, montar um negócio é ainda algo arriscado. Em uma pesquisa feita no Brasil, verificou-se que 72 % dos empreendedores consideram possuir o conhecimento, a habilidade e a experiência necessária para começar um novo negócio, e, mesmo assim, muitos fecham seus negócios nos primeiros anos. Apenas no âmbito das micro e pequenas empresas (que constituem certa de 99% de todas empresas no Brasil), no ano de 2000, 60% delas fecharam em cerca de quatro anos de existência. Embora esse número esteja diminuído, em 2003, por exemplo, ele continuava alto, denotando que a cada três micro ou pequenas empresas que abrem, uma fecha em um prazo de quatro anos. Por isso, não é uma tarefa fácil estruturar um negócio e, com certeza, é um investimento arriscado. Agora, por que investir em um negócio com um modelo sustentável, sabendo que muitos dos dados são previsões e que é considerado um investimento a longo prazo? Para uma resposta, vale aqui o caso de uma senhora que conheci e o seu Pet Shop.

Junto com o seu filho, que é veterinário, a senhora resolveu abrir um Pet Shop, que chamaremos de Jardim dos Animais. Na sua cidade, localizada no interior do estado de São Paulo e que possui cerca de 60 mil habitantes, já existiam alguns Pet Shops. Entretanto, embora a cidade seja pequena, eles consideraram que haveria espaço para mais um. O Jardim dos Animais foi montado dentro de uma velha casa da família; a sala de estar virou sala de espera, a cozinha - área de banho e o quintal - hotel. Embora relativamente pequeno, quando fui visitá-los, o Jardim dos Animais realizava cerca de incríveis 700 banhos/tosas por mês. Para se ter uma ideia, um Pet Shop grande e bem estruturado na cidade de São Paulo realiza cerca de 1000 banhos/tosas por mês.

O grande diferencial do Jardim dos Animais não era a qualidade do serviço ou o preço. Eles me contaram que alguns outros Pet Shops na cidade já tentaram contratar muitos dos funcionários que trabalharam no Jardim dos Animais, e inclusive, colocaram preços mais baixos, contudo, jamais chegaram a realizar muitos banhos. O grande diferencial do Jardim dos Animais foram algumas atitudes simples daquela senhora. No Pet Shop ela tem a função de anotar os pedidos, cobrar, vender alguns produtos e principalmente recepcionar os clientes. A sua grande sacada foi perceber que muitos cachorros eram tratados como filho e, por isso, autodenominou-se avó, quando não, tia. Uma segunda percepção foi entender que cachorros adoram lamber pessoas, assim, sempre que um cachorro chega, ela o deixa lamber sem nenhum repúdio. Os clientes realmente adoram o Pet Shop, pois lá cada um é tratado como se fosse único. Não é à toa que todo final de ano o Jardim dos Animais recebe dezenas de cartões de natal, e muitos, com a seguinte mensagem: “São os votos de Karlla, Renato e sua filha FiFi”. O que aquela senhora fez para um Pet Shop de cidade pequena ter um número de clientes muito acima do esperado é, simplesmente, tratar com muito zelo aquilo com que os clientes se preocupam: seus cachorros, seja estreitando o grau de parentesco seja respondendo o carinho dos cachorros. Aquela simples senhora de uma cidade pequena do interior de São Paulo conseguiu visualizar e aplicar o que muitos livros de negócios têm tentado dizer: Ter o enfoque em não apenas satisfazer os stockholders (sócios e acionistas), mas sim todos os grupos de stakeholders (partes interessadas), no caso dela os donos dos cachorros.

Pensar nas angústias e desejos dos clientes é um pretexto básico para vender o seu produto. Essa falta de entendimento, sobre o que os clientes desejam e o que as empresas produzem, é umas das principais causas do fechamento de empresas no Brasil e no mundo. Ou seja, assim como aquela senhora do Jardim dos Animais descobriu e faz, é importante (e lucrativo) entender com o que os clientes se preocupam. Hoje, com certeza, esse é o maior diferencial competitivo a qualquer empresa. Por isso, ao começar estruturar um negócio com modelo sustentável, primeiramente, essa mesma lógica deve estar em mente: tratar com zelo aquilo que com os clientes se preocupam, nesse caso, a natureza e a sociedade. Ter um enfoque no que os stakeholders querem e não apenas no que os stockholders buscam. É importante entender que esse tipo de negócio é apenas viável porque existem pessoas acreditando que, com esse modelo, podem-se reduzir os impactos na natureza e as desigualdades sociais. Acreditam em um mundo melhor e mais justo a partir da sustentabilidade. Uma missão clara de redução de impactos sociais e ambientais é criar uma relação mais íntima e pessoal entre clientes e empresa.

Entretanto, não adianta apenas ter uma missão forte se o produto, mercadoria ou serviço da sua empresa não atender as expectativas. Se muitos dos cachorros que o Jardim dos Animais atendesse saíssem machucados, todas as atitudes daquela senhora seriam em vão, e, aliás, poderiam ser consideradas falsas denegrindo toda a imagem da empresa para os seus clientes. Para estruturar um negócio sustentável, é essencial a transparência de todo impacto social e ambiental que o produto pode causar. Diante de um público cada vez mais crítico e com poderosas ferramentas em mãos para a fiscalização pessoal, os negócios com modelos sustentáveis precisam prezar por uma transparência das ações. Os sites de redes sociais, grupos de e-mails, ONGs, investigações jornalísticas, ou seja, a sociedade cada vez mais interligada impõem obrigações às empresas e permitem transparecer a diferença entre o esperado (a missão que a empresa se propõe) e o encontrado (impacto socioambiental da mercadoria, serviço ou produto).

Como um exemplo dessa situação, podemos citar as participações das empresas em “O Guia Exame de Sustentabilidade” (edição especial da revista Exame), o qual todo ano realiza uma competição para selecionar a empresa mais sustentável do Brasil. A inscrição para o processo de seleção é feita de modo espontâneo, no entanto, só participam do processo seletivo aquelas que responderem 122 perguntas sobre atividades relacionadas à sustentabilidade. As perguntas são, de certo modo, simples e estão pautadas sobre a existência de comitês, publicação de relatórios, metas para redução de CO2, remunerações relacionadas a metas ambientais e sociais etc. As empresas não precisam realizar as atividades, apenas responder as perguntas.

No guia de 2009, 210 empresas se inscreveram e apenas 141 (ou 67,1%) responderam todas as perguntas. Partindo do pressuposto de que as 210 empresas inscritas, possivelmente, acreditavam que poderiam ser consideradas “a empresa sustentável do ano”, uma vez que a inscrição é feita de modo espontâneo, e também que esta competição segue um critério mais jornalístico e não é tão rigorosa como outros indicadores de sustentabilidade, pode-se concluir que mais de um terço das empresas que se consideravam sustentáveis, não conseguiram sequer participar por não responder perguntas simples sobre algumas atividades. Portanto, antes de propor uma missão ou um objetivo, é importante ser claro com todos os seus stekeholders sobre até que ponto poderá satisfazê-los.

Com uma missão clara em um modelo bem estruturado em função dessa missão, a empresa terá grande chance de se fixar no mercado. Mas antes uma pergunta básica: Existe uma quantidade suficiente de pessoas que se sentiriam propensas a comprar um produto ao saber que a empresa prioriza o baixo impacto social e ambiental?

Sim, o número de pessoas que se importam com essas questões, ou seja, potenciais consumidores já é grande e está aumentando. Em uma pesquisa feita em 17 países, e com mais de 13 mil pessoas, pela TNS Global Market Research em 2008, foram encontrados dados interessantes. Nos últimos anos, 40% do público pesquisado mudou seu comportamento em benefício da conservação da natureza. 52% estariam dispostos a pagar 5% a mais em um produto, se ele estivesse ligado a preocupação ambiental ou social, e 33% estariam dispostos a pagar 10% a mais. Quase metade dos entrevistados (42%) já ouviram falar sobre “Pegada de Carbono”, e em países como Japão e Reino Unido essas taxas chegam a 97% e 94% respectivamente. Pelos dados da certificadora Fair Trade, o crescimento do consumo de produtos com este selo (que considera questões sociais, ambientais e econômicas na certificação) tem crescido cerca de 22% por ano. Apenas relacionado ao consumo de produtos orgânicos, a produção mundial já movimenta cerca de 300 bilhões e tem tido um aumento de 14% anualmente.

A razão do aumento da preocupação dos consumidores com questões socioambientais, provavelmente, está ligada ao aumento da urbanização, da expectativa de vida e do poder econômico. Em termos simples, quanto maior a urbanização de um local, mais acesso a saúde e suprimentos básicos as pessoas terão, o que aumentaria a expectativa de vida. Com uma vida mais longa, as pessoas começam a exigir qualidades socioambientais no cotidiano: Regiões com mais árvores, produtos mais saudáveis e relações trabalhistas mais justas. A urbanização também está atrelada ao poder econômico; regiões urbanizadas há mais tempo apresentam maior concentração de renda, o que permite pagar por exigências socioambientais, as quais são normalmente mais caras. Essa relação torna-se clara quando se comparam os indicadores socioambientais com riqueza, e é tão característica que é chamada de Curva Ambiental de Kuznets (Dinda 2004). Partindo dessa lógica, também se pode prever que teremos um grande aumento das exigências por produtos sócio-ambientalmente corretos. Porque, segundo previsões da ONU, aumentaremos a proporção de pessoas que vivem na área urbana em quase 20% até 2050 (passaremos de 50.6% para 69.6%), somando-se a isso também um crescente esclarecimento cientifico da escassez de recursos no ambiente.

A partir dessas previsões e dos sinais atuais de conscientização socioambiental, muitas organizações já começaram a investir nesse mercado. Na Europa a quantidade de euros investidos passou de 12 milhões em 2000, para 1.25 bilhões em 2006; antes de 1997 existiam apenas dois fundos de investimento nessa área, em 2005 já eram 42 (Erosif 2007). Nos EUA, em 2007, a cada US$9,00 investidos, US$1,00 referia-se a investimentos sustentáveis (Krosinsky and Robins, 2008). O movimento já começa a ser grande e, na tentativa de valorizar suas ações, diversas empresas de capital aberto já criaram grupos que as certificam como sustentáveis. A Dow Jones foi a primeiro grande grupo do setor a incorporar sustentabilidade. O índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI) foi lançado em 1999. Acompanhando a experiência americana a Bolsa de Londres e o Financial Times lançaram o FTSE4Good em 2001. Em 2003 a África do Sul foi o primeiro país emergente a incorporar a sustentabilidade no mercado de ação, lançando o SRI. O Brasil também apresenta uma importante movimentação, e já em 2005, lançou o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) que tem agregado diversos setores e é visto como uma grande inovação entre os países emergentes. Em geral, para ser um participante é necessário responder um amplo questionário centrado nos aspectos de desempenho ambiental, inovação, governança corporativa, relações com investidores e comunidade em geral.

Mais uma vez apenas, participar desse grupo de empresas ainda garante maior lucratividade. Estudos feitos no indicador brasileiro (ISE), por exemplo, não mostraram diferenças significativas entre a rentabilidade das empresas desses grupos comparada com outros grupos. No entanto, os próprios autores enfatizam a falta de acurácia dos dados, pois muitas empresas participam de mais de um grupo (eles podem participar do ISE e de outro grupo por exemplo), resultando que, em uma análise estatística, uma empresa pode acabar sendo comparada com ela mesma. No entanto, em casos pontuais podemos encontrar dados concretos de maior rentabilidade de investimentos sustentáveis. Por exemplo, a empresa de cosméticos Natura, que muitas vezes é considerada o símbolo brasileiro de empresa com modelo sustentável, tem sido classificada, repetidas vezes, entre as maiores e melhores empresas brasileira. Ou o fundo de investimento FIC FIA ETHICAL, que desde o final de 2008 tem apresentado rentabilidade maior que a média da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).

Eis o resumo dessa história toda: embora existam grandes indícios de um significativo mercado consumidor e, portanto, grande rentabilidade, não dá para garantir um futuro espetacular para uma empresa, simplesmente, porque ela é estruturada em um modelo sustentável. Contudo, uma vez decidido por esse caminho, é importante definir uma missão e ser claro com as atividades possíveis. Só assim uma empresa com esse modelo pode alcançar o sucesso. E uma vez nesse meio, garanto que gerenciar um negócio com preocupação ambiental e social é uma causa muito mais nobre e de grande conforto pessoal. Vale lembrar que isso não vai ser aprendido lendo nenhum manual.

Um comentário:

  1. Texto bacana.
    Ontem estive em entrevistas para meu TCC, em 3 empresas do setor açucareiro e etanol; e uma delas é voltada aos indicadores de sustentabilidade e está, inclusive, finalizando seu terceiro GRI - de forma "expressionista" (como os girassóis de VanGogh), fica visível a qualidade de "vida e processos organizacionais.
    O "Bem Comum" é uma idéia que após descoberta, não deixará de ser vivida !
    OBS:
    1. Minhas menções ao "Bem Comum" e "[...] externalidades tranformando-se em business"; vêm de aprendizados assimilados nas aulas do nosso reitor-mentor-amigo, dr. Cláudio Pádua. _ "obrigado, Mestre."
    2. Além do site www.GetAbstract.com, aonde podemos acessar os manuais sugeridos ?
    Grande abraço. Grande texto.
    Alexandra.

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