quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ecologia, mais do que eco e logia


Na universidade nossa primeira aula sobre ecologia foi descobrir o que seria ecologia. Lembro-me que o conceito que eu, e mais um grupo de alunos, consideramos mais adequado na época foi: o estudo da casa. O nosso raciocínio foi desmembrar a palavra em eco e logia, e depois procurar o significado de cada um em algum dicionário de Latim ou Grego. Em biologia essa técnica, bastante apurada por sinal, quase sempre funciona. É fácil descobrir que os sapos, rãs e pererecas ou Anuros não possuem calda (an = sem, uro = calda), que os tamanduás ou Mirmecófagos comem formigas (myrme = formiga, phago = comer) e que os Leptodactylus apresentam dedos pequenos, mesmo sem ter a mínima idéia do que eles sejam (lepto = pequeno, dactylus = dedos).
Contudo, como me referi anteriormente, essa lógica quase sempre funciona, e para a minha (e dos meus colegas) infelicidade na época, a palavra ecologia está entre elas. Não que esteja errado dizer que ecologia é o “estudo da casa”, mas talvez seja tão vago como dizer que a vida é o contrário da morte. Assim, para entendermos ecologia é necessário voltar à origem das primeiras idéias sobre o assunto, as quais estão vinculadas a interpretações sobre o mundo natural.

A percepção da natureza pelo homem sempre foi algo difuso. O mundo não-humano é envolto de incertezas. As interpretações dos fatos naturais, muitas vezes, ficam distantes de um raciocínio lógico, denotando uma ligação com o mágico. Nesse ponto, a religião tem o importante papel de fazer o vínculo entre o homem e a natureza. Ela traz um descanso para muitas indagações pessoais e repostas para as percepções biológicas, e tanto religiões monoteístas como politeístas são repletas de tais representações.

Alguns povos Havaianos, por exemplo, referem-se ao mundo natural como um organismo vivo, em que todo o espaço é preenchido. No céu ou na terra, visível ou invisível, todo objeto faz parte da vida, e qualquer alteração sempre traz respostas (Mebratu 1998). Também são comuns exemplos de religiões que colocam o homem como um beneficiário e em íntimo contato com a natureza. Os acontecimentos da vida, como nascimento e morte, são considerados representações em menor escala de acontecimentos semelhantes na terra, como o dia e a noite, e, desse modo, há uma necessidade de respeito para própria preservação do ser humano, pois tudo que existe segue uma mesma lei (Mebratu 1998). Escritos sobre esses vínculos também são constantemente encontrados em religiões monoteístas Judaico-cristãs, Mulçumanas, Budistas, Taoista entre outras (Palmer 2006). São Francisco de Assis, por exemplo, foi considerado padroeiro da ecologia em 1980 pelo Papa João Paulo II.

Assim, embora os primeiros estudos sistematizados sobre ecologia apenas tenham acontecidos no século XIX, as diversas tentativas de codificar as percepções biológicas durante a história do homem também podem ser consideradas, de certa forma, estudos ecológicos. Um fato sugestivo é que tanto os tais estudos sistematizados como as representações da natureza encontradas em muitas religiões partilham o mesmo paradigma: tentar entender o funcionamento do mundo natural e qual a importância dos seres humanos nesse contexto.

A palavra ecologia apenas foi criada em 1860 pelo zoólogo alemão Ernerst Haeckel. Ele acreditava que após a publicação de “A Origem das Espécies” (de Charles Darwin), em 1859, era preciso criar um termo que se referisse ao estudo das diversas lutas pela sobrevivência que Darwin havia discutido no seu livro, e concluiu que “o estudo da casa” era uma boa menção (Kingsland 1991). Embora o termo não siga um raciocínio simples de identificação como o nome Mirmecófagos, ou pareça ser mais adequado a profissões como engenharia, arquitetura ou design de interiores, ele não foge dos paradigmas e do conceito atual de ecologia. Segundo Begon e outros autores (2007), o conceito mais adequado de ecologia seria “o estudo científico da distribuição e abundância dos organismos e das interações que determinam a distribuição e abundância”, o qual, de certa forma, podemos dizer, sempre com muito cuidado, diz respeito ao estudo da casa.

O inicio da ciência ecologia foi considerado a leitura, e posterior publicação, do artigo cientifico “O Lago como um Microcosmo” (The Lake as a Microcosm) na Associação Cientifica Peronia em fevereiro de 1887 por Stephen A. Forbes. No artigo, Forbes trata da complexa relação entre os organismos e discorre sobre o equilíbrio entre mortalidade e natalidade para cada espécie (o qual é um dos grandes temas da ecologia, utilizado para o entendimento de sustentabilidade).

Atualmente a ecologia é uma ciência madura, e desde a publicação do artigo de Forbes (1887), tem tido um acúmulo considerável de conhecimento e grande acréscimo de pesquisadores na área. Na década de 1920, a revista cientifica Ecology publicava cerca de 200 páginas por ano, e, atualmente, excede 2200 páginas (Krebs 2006). Apenas no Brasil já existem 40 programas e cursos de pós-graduação stricto senso na área de Ecologia (CAPES 2010). E, em menos de 50 anos, a Sociedade Ecológica da Nova Zelândia mais que triplicou o número de membros, de 150 para 535 (Krebs 2006).

A ecologia acompanha a história do homem na busca para entender os complexos processos do mundo natural com os quais nos deparamos. Ela é veículo de conforto e enriquecimento intelectual. No entanto, diante da atual crise ambiental, os estudos ecológicos têm outro importante papel. Entender as relações ecológicas nos permite fazer previsões futuras sobre as consequências das modificações do homem na natureza, ou os chamados impactos ambientais. Hoje a ecologia pode ser considerada uma ferramenta para arrumar a casa, e não apenas estudá-la.

Referências:
Begon, M.; Townsend, C. R.; Harper, J. L. Ecologia: De Indivíduos a Ecossistemas. Ed. Artmed. 2007. 752 pag.
CAPES - Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Cursos de pós-graduação recomendados. Acessado em: http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados.
Forbes, S. A. The Lake as a Microcosm. Bulletin of Peronia Scientific Association. 1887
Kingsland, S. E. Defining Ecology as a Science. In: Real, L. A.; Brown J. H (Eds). Foundations of Ecology: Classic Papers with Commentaries. Ed. The University of Chicago Press. 1991. 905 pag.
Krebs, C. J. Ecology after 100 years: Progress and pseudo-progress. New Zealand Journal of Ecology, n. 30(1). 2006.
Mebratu, D. Sustainability and Sustainable Development: Historical and Conceptual Review. Environmental Impact Assessment Review, n. 18. 1998.
Palmer, J. A. 50 Grandes Ambientalistas de Buda a Chico Mendes. Ed. Contexto. 2006. 318 pag.

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