quarta-feira, 13 de abril de 2011

Os desafios do comércio madeireiro sustentável*




Já foi o tempo em que ONGs ambientalistas eram uma voz isolada na denúncia e luta contra a exploração ilegal de madeira amazônica. No cenário atual de mudanças climáticas, perda de biodiversidade e revisão de valores, que orientam tanto práticas individuais como empresariais e governamentais, a atividade madeireira ganhou mais visibilidade não apenas na mídia, como também entrou na pauta de discussão no setor público.



É justamente nesse contexto que é lançada “Madeira de Ponta a Ponta- o caminho desde a floresta até o consumo”, publicação realizada pela parceria entre a FGV (Ceaps e Ces) e a Rede Amigos da Amazônia, que visa explicar de forma didática e acessível a intricada cadeia da madeira desde sua extração à sua aquisição pelo consumidor, passando por toda uma rede de interesses e corrupção. Além de ser um estudo aprofundado sobre a extração da madeira e seus gargalos de sustentabilidade pela cadeia, a publicação ganha importância por servir como uma ferramenta que parte do consumo para entender e pôr em pauta o assunto no contexto das compras privadas e públicas (sendo estas últimas as que mais impactam a aquisição de madeira nativa no país).



O evento de apresentação de “Madeira de Ponta a Ponta” ocorreu no dia 29 de março no auditório Itaú da FGV e contou com uma mesa de debate formada por representantes da esfera pública, privada e civil, gerando importantes colocações e questionamentos. Carlos Resende, secretário-adjunto de Florestas do Acre e um dos convidados do evento, descreveu a trajetória do Acre, que passou de extração predatória à sustentável em menos de 20 anos, aplicando o conceito de ´floresta habitável´, cujas pessoas que nela habitam a conservam ao mesmo tempo em que dela tiram seu sustento e renda de forma inclusiva e responsável. Frente a essa transformação Resende lança a reflexão: será a madeira salvação ou destruição da floresta?



A essa pergunta Estêvão Braga, do WWF Brasil e participante do debate, possui posicionamento firme. De acordo com o engenheiro florestal, devemos desconstruir o estigma de floresta intocável e transformar a extração madeireira em uma economia florestal sustentável. Para ele, a madeira se tornou um material indesejado por conta da incapacidade do poder público e privado de rastrear sua cadeia e de promover seu manejo sustentável.



Apesar dos desafios e barreiras à produção e ao consumo responsável de madeira, ambos tratados pela publicação em questão, alguns bons exemplos foram abordados durante o debate. Resende falou sobre o programa estadual de Qualidade do Setor Florestal, que cadastra fornecedores certificados de madeira proveniente de manejo florestal sustentável para a aquisição de madeira legal na administração pública, citando dados impressionantes de que atualmente apenas 6% das compras de madeira do governo do Acre não são vinculadas ao programa.



No entanto, como colocou Estevão, garantir a legalidade apenas não erradica o problema, pois no Brasil é possível comprar madeira legal de desmatamento. A legislação brasileira autoriza, através dos órgãos ambientais, o desmatamento em áreas da propriedade que não façam parte de APPS (Área de Preservação Permanente) e da reserva legal (correspondente a 80% da área total para o Bioma Amazônia). Como apenas a extração legal (o desmatamento autorizado) não contribui para manter a floresta em pé, se faz necessário exigir que as compras públicas de madeira provenham de manejo sustentável.


No que tange ainda aos obstáculos a serem superados para o fim do desmatamento ilegal, o Greenpeace Brasil aponta que o governo não deve focar no aumento de políticas de comando e controle, mas sim em tornar as existentes mais eficientes. Como, por exemplo, a inclusão do rastreamento via satélite, da derrubada da tora à serralheria, nas políticas de fiscalização.



Apesar das discussões no debate não terem entrado nesse âmbito, é importante explicitar o papel das organizações empresariais sobre o tema. As empresas também podem ser grandes aliadas no combate à exploração ilegal madeireira através de diversas iniciativas. A começar pelo monitoramento da origem da cadeia dos produtos florestais que utiliza, identificando se os fornecedores estão ou não em conformidade. Um segundo passo seria incentivar os fornecedores que se encontram na legalidade a buscar a certificação florestal e, acima de tudo, priorizar relações com fornecedores engajados e apoiá-los no aprimoramento de suas práticas de sustentabilidade.



Boas ideias e iniciativas já postas em práticas e a disponibilidade da publicação “Madeira de Ponta a Ponta” fornecem sólidos subsídios para que o Brasil consiga erradicar a ilegalidade da exploração madeireira. Entretanto, para conciliar conservação das florestas com desenvolvimento sustentável é preciso mobilização não apenas do setor público e privado, mas também dos indivíduos na escolha e demanda por produtos florestais sustentáveis.



(*) Artigo também publicado no site da Ekobé

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