terça-feira, 15 de março de 2011

A complexidade de se educar para os desafios atuais - Por Suzana Padua

Fundadora do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) junto ao marido e biólogo Claudio Padua, Suzana Padua se envolve e desenvolve projetos de educação ambiental a mais de 20 anos, sendo uma referência no tema.

Confira suas reflexões sobre os desafios na formação de profissionais capazes de enfrentar os problemas socioambientais da atual conjuntura socioeconômica global em artigo exclusivo ao Xilema




A complexidade de se educar para os desafios atuais


"Se você quiser um ano de prosperidade, cultive grãos;

Se quiser dez anos de prosperidade, cultive árvores;
Se você quiser cem anos de prosperidade, cultive pessoas"


Confúcio


Cultivar gente pode ser bem mais desafiante do que parece. Primeiro, as próprias pessoas precisam reconhecer seu potencial de mudança, pois raramente se vêem capazes de transformar as realidades indesejadas ao seu redor. Segundo, a sociedade tem a tendência de se acomodar, de ser passiva e de aceitar o que vem pronto, mesmo que ruim. Terceiro, de modo a corresponder às oportunidades que surgem, ou mesmo que podem ser criadas, as pessoas precisam estar aptas a desempenharem papéis protagonistas, seja em quais áreas de atuação estejam envolvidos.

Todavia, nosso sistema educacional tem podado mais a criatividade e o incentivo a iniciativas transformadoras do que as motivado. Além disso, os crescentes problemas socioambientais levam a humanidade a se defrontar com uma diversidade de aspectos que os profissionais do passado não conseguem lidar, muito pelo grau de intensidade e rapidez com que tudo ocorre agora. O resultado é uma inadequação das pessoas frente aos desafios cada vez mais abrangentes dos dias atuais.

Nossa visão precisa se alargar. Um especialista, por exemplo, que era tão valorizado há pouco tempo atrás, mesmo ainda sendo imprescindível em diversas áreas, muitas vezes não dá conta de lidar com a variedade de desafios que agora enfrenta. Precisamos refletir sobre como preparar melhor o profissional da atualidade. Os sistemas de desenvolvimento predominantes, os valores que escolhemos adotar e o como preparar a sociedade para assumir mais responsabilidade e passar a valorizar a vida em toda a sua manifestação são alguns dos aspectos a serem considerados.

Sendo assim, torna-se crucial reformular a base da educação, de modo a incluir a sensibilização sobre a importância da conservação da vida, seja ela humana ou não humana. Principalmente em um país como o Brasil, que conta com uma das mais ricas diversidades biológicas do mundo, além de uma diversidade cultural marcante, precisamos rever nossos valores o rapidamente possível de modo a mudarmos nossa atitude e passarmos a nos responsabilizar pelo que temos a gerir. Como parte do processo educativo, devemos estar aptos a questionar os modelos que vêm prontos, os comportamentos aceitos como normais de modo a adotarmos conscientemente o que for conveniente, abolir o que causa danos sociais ou ambientais e buscar alternativas que levem a uma maior harmonia. Precisamos estimular posturas amorosas à vida e a não conformidade com o que é eticamente incorreto, aquilo que prejudica a vida de pessoas e da natureza. Temos que descobrir meios de incentivar iniciativas empreendedoras, criativas e que resultem no bem comum.

Na busca por caminhos que levem a um maior equilíbrio, algumas áreas do conhecimento surgiram nas últimas décadas. Por exemplo, com as crises que despontaram, desenvolveram-se áreas do conhecimento que tentam solucioná-las. Foi assim que apareceram termos como “desenvolvimento sustentável, “sustentabilidade”, “educação ambiental”, “economia ambiental”, “biologia da conservação”, “serviços ambientais”, entre outros. Crise é o que não falta, e novos campos continuam a ser criados para responder a elas. Porém, se a vida fosse devidamente valorizada, não haveria a necessidade de se criar adjetivos para o desenvolvimento, ou para a educação ou mesmo para a economia. O respeito daria o tom de qualidade que o planeta merece e essas áreas contemplariam os valores éticos que prescindem de complementos.

Existe agora a necessidade de se buscar meios alternativos, e que abram os horizontes da percepção humana. A educação ambiental, por exemplo, tem sido reconhecida como um desses caminhos de conscientização do que está ocorrendo no planeta, desde questões mais locais às mais globais, ao tentar tocar o indivíduo de modo a estimulá-lo a ousar transformar seus comportamentos desarmônicos em harmônicos, suas atitudes insustentáveis em sustentáveis. Tenta mostrar que ser não depende de ter e, muito ao contrario, o consumo exacerbado vem resultando em desgastes por vezes irremediáveis, além de provocar contradições como países que têm muito nem sempre serem os mais felizes.

A educação ambiental prioriza o conjunto do aprendizado, somando o racional ao intuitivo, o aumento de conhecimento a valores, a teoria à prática, propiciando oportunidades de engajamento do aprendiz com causas éticas. Busca um maior equilíbrio entre as relações humanas e entre estas e a natureza. Incentiva o indivíduo a perceber que é capaz, que pode e deve promover processos de mudanças que contribuam local e globalmente para a melhoria da qualidade de vida. A educação ambiental talvez tenha sido vanguarda em apontar a necessidade de se fomentar empreendedores com atitudes que protejam o planeta.

Todavia, as mudanças têm sido tão aceleradas que nem será a educação ambiental nem qualquer outra área isoladamente que dará conta do recado. Por isso, educar para os dias de hoje virou um enorme desafio. Exige um olhar abrangente, transdisciplinar e holístico. É necessário prepararmos a sociedade para responder rapidamente e com efetividade às crises e à complexidade dos problemas novos que surgem a cada dia. Como vamos sair da passividade à ação? Como podemos priorizar o coletivo em detrimento do individual? Que comportamentos devem ser adotados para beneficiar a sociedade e a natureza?

Essas são apenas algumas perguntas que demandam respostas urgentes. É necessário refletirmos sobre como contribuir para a vida em nosso planeta. Mas, não podemos ficar apenas na reflexão. Urge criarmos mecanismos que passem do pensamento à ação. Precisamos transformar nosso sistema educacional e, a meu ver, devemos começar por nós mesmos. Como o exemplo é dito ser a melhor lição que deixamos, precisamos espelhar o que desejamos e aquilo que pregamos. Quem sabe, assim, seremos mais eficazes em contagiar mais e mais pessoas para juntos celebrarmos toda essa riqueza que herdamos neste nosso planeta?

5 comentários:

  1. Muito bacana o texto Suzi, parabéns! Obrigado também! É muito bacana ler um texto e se reconhecer naquilo q a gente pensa e sente... E mais q tudo, obrigado pela escola de ser IPÊ!

    Tenho sido professor de uma disciplina que se chama “elabboração de projetos pra conservação e proteção ambiental”, houve um concurso e os amigos alertaram por acharem q a disciplina era minha cara... Acho q estavam certos, tem sido incrivelmente bacana, desafiante e gratificante; este é o segundo semestre que a disciplina acontece, com a missão de fazer com que os alunos aprendam elaborando projetos uteis, integrados e aplicados aos desafios e oportunidades ambientais regionais. Enfim, achei o texto bem a realidade dessa busca por formar e educar pessoas... Muito Legal!

    Carinho e gratidão,

    Alê mineiro

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  2. Adoro essa mulher !
    Suzana querida, sua vivacidade e sagacidade muito nos ensina.Esta leitura me chegou oportunamente e alavancou idéias para minha dissertação.
    Obrigado sempre por nos inspirar.
    Alexandra - Escas 2010.

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  3. as coisas acontecem mesmo como um circulo, cheguei a esse texto hj por ter conhecido rafael morais a quase um ano e discutirmos sobre o tema do texto numa fila de aeroporto, e hj, examatente hj, precisava de palavras consisas e simples para tentar exemplificar me diante um grupo de pessoas num trabalho e esse texto veio a calhar através de um email por acaso,

    parabéns e obrigada Suzi pela clareza de pensamentos e se me permite ( espero q sim) vou fazer minhas as suas palavras claras ( com devidas referencias é claro)

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  4. "estimular posturas amorosas à vida e a não conformidade com o que é eticamente incorreto" é programa pra uma vida inteira e traduz o modo de ser de quem se importa de verdade e age em qq situação para fazer a diferença. Faz bem ao coração encontrar gente assim. Obrigada pelo texto. bj leila

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  5. Querida Suzana... realmente este texto tem tudo a ver conosco, com o Brasil, com as questões ambientais, sociais... com a educação Brasileira!!! Nosso grande desafio!
    vou socializar com meus colegas educadores, bj grande, Wildes

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