quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Por uma maior transparência nos rótulos e embalagens de produtos orgânicos!


Com o notável desempenho do mercado de produtos orgânicos nos últimos anos, principalmente por sua crescente demanda e alto valor agregado de seus produtos, não é de se espantar que cada vez mais negócios queiram abocanhar esse nicho. Uma reportagem do Valor Econômico do mês de julho desse ano mostrou que muitos agricultores convencionais da Califórnia comercializam suas frutas, legumes e verduras em feiras com falsos rótulos de identificação, muitas vezes os classificando como “orgânicos” ou “certificados”.

Além dos gastos mais elevados na produção, o verdadeiro produtor orgânico possui gastos extras com o serviço de certificação, mas é compensado com a alta rentabilidade de seus produtos no mercado. No entanto, a falta de eficiência dos órgãos fiscalizadores cede espaço para proliferação de falsos produtores orgânicos, que acabam prejudicando não só os verdadeiros produtores mas também ao consumidor, que acaba comprando gato por lebre! Diante disso, o Programa Orgânico do Estado da Califórnia propôs, em junho, regras mais justas de fiscalização e inspeção, como análise de amostras e investigação de autenticidade dos selos expostos pelos produtores nas feiras (Valor Econômico, 15/07/2010).

O mesmo problema se estende aos produtos industrializados. Muitos empreendimentos vislumbram a possibilidade de aumentar os lucros ao ampliar sua linha de produtos oferecendo uma mercadoria super valorizada a um consumidor disposto a pagar mais caro por sua origem e processo de produção diferenciados. No entanto, parte das empresas se inserem nesse segmento de mercado de forma desonesta. Vemos nas gôndolas de supermercados cada vez mais produtos com embalagens dúbias e de rastreabilidade nebulosa.

No que diz respeito aos cosméticos e produtos de higiene pessoal, nos Estados Unidos a situação é mais grave pois não existe ainda controle ou fiscalização do governo para essa categoria de produtos orgânicos. No entanto, a grande rede varejista americana Whole Foods, que oferece produtos na linha natural, alternativa e socioambientalmente corretos, resolveu estabelecer limites! Ela anunciou em junho sua nova política em relação aos rótulos de seus produtos: todas mercadorias que alegam ser orgânicas mas não possuem nenhum tipo de certificação terão exatamente um ano para entrarem em regularidade. Após a expiração do prazo, as que continuarem sem certificação serão removidas das prateleiras e terão sua comercialização banida das lojas. A rede continuará a comercializar produtos convencionais contanto que não possuam “orgânicos” em seus rótulos (The New York Times, 14/07/2010). Apesar de ser uma iniciativa privada de padronização na identificação de mercadorias, a política da Whole Foods terá grande repercussão, uma vez que a grande maioria desses produtos comercializam apenas nessa rede.

Enquanto isso, aqui no Brasil, o mesmo problema possui diferentes perspectivas. Ou melhor, não as possui! As coisas caminham lentamente, até porque essas políticas surgem através da pressão consumidor, mobilizada por seu descontentamento ao descobrir que fora enganado. Por mais que o artigo 23 do decreto Nº 6.323, de 27 de Dezembro de 2007 (que regulamenta a lei no 10.831, de 23 de dezembro de 2003) proíba o uso de expressões, títulos, gravuras ou qualquer outro tipo de informação que induza o consumidor ao erro quanto à garantia do produto orgânico, existem muitas pessoas que acreditam estarem consumindo orgânicos ao adquirirem frutas, legumes e verduras embaladas em plástico filme e isopor rotuladas como “produto selecionado” por um adesivo no topo da embalagem, por exemplo.

Além disso, no Brasil, o consumidor de produtos orgânicos confia muito nos rótulos e ainda tem dificuldades em identificar selos. Uma pesquisa inédita da Market Analysis mostra que 17,3% dos brasileiros que residem em grandes cidades se dizem consumidores regulares de produtos orgânicos. No entanto, apenas 6% conseguiram identificar um selo de certificação de produto orgânico (Valor Econômico, 25/01/2010).

Além do mais, quando houver mobilização suficiente por nossa parte, a dos consumidores, para que sejam sugeridas rigorosas políticas públicas na padronização dos rótulos e embalagens, teremos que enfrentar a fúria de duas indústrias poderosíssimas: a alimentícia e a de telecomunicação! Elas são capazes de influenciar e manipular os interesses públicos em prol de seus interesse próprios. O mais recente exemplo disso ocorreu há menos de dois meses quando a Associação Brasileira de Rádio e Televisão junto à Associação Brasileira das Indústrias de Alimento recorreram contra a nova resolução da Anvisa que estabelece regras para a publicidade e promoção comercial de alimentos. Publicada no dia 29 de Junho, a resolução passaria a proibir propagandas de alimentos com baixo teor nutritivo e alto teor de açúcar, sódio e gorduras trans e saturadas que possuam símbolos, figuras ou desenhos que levem a falsas interpretações sobre a qualidade e origem do produto (www.ecodebate.com.br). As propagandas teriam um prazo de 180 dias para se adequarem à nova resolução, caso esta seja de fato implementada, pois já sofreu recomendação de suspensão pela Advocacia Nacional da União, acionada por aquelas poderosas indústrias.

De fato não se pode responsabilizar apenas o próprio consumidor para que ele realize escolhas conscientes nas aquisições de produtos não só orgânicos, mas de uma forma geral. Por mais que uma conscientização seja necessária para que as pessoas se tornem mais críticas em relação aos produtos e suas origens, há muito a ser feito tanto na esfera pública como na privada para que haja mais transparência na especificação de suas origens e processos.

3 comentários:

  1. Ana, ótima postagem! É triste constatar que estamos sendo enganado o tempo todo. A solução que parece trivial, ou deveria ser, é como você mesmo apontou: o binário lei/fiscalização. No entanto, as coisas não funcionam bem assim, por isso acho super pertinente esse trabalho de debate, esclarecimento e divulgação, pois hoje o boca-a-boca na internet pode alcançar rapidamente impactos consideráveis.

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  2. OI Ana, também achei bem legal o texto. Uma discussão muito interessante de um problema que, muitas vezes, não realizamos que existia.

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  3. Oi Aninha, boa reflexão. Consumo "na medida do possível" produtos orgânicos e de fato desconheço a certificação. Precisamos ficar atentos.

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